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O que eu posso fazer sobre a emergência climática?

 
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Este é o terceiro episódio do Tecnocracia sobre a emergência climática. No episódio #78 demos uma pincelada geral no problema e no #84 falamos sobre como a humanidade usa energia, a principal razão para estarmos neste buraco. Dá para ouvir este episódio tranquilamente sem ouvir os outros, mas você aproveitará melhor as informações se ouvi-los em ordem.

Um resumo rápido do que estamos falando — repetição é nossa amiga quando trabalhamos com problemas urgentes:

  1. Há um consenso científico de que o planeta está esquentando por ação humana, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis e à liberação de gases carregados de carbono na atmosfera.
  2. O excesso de carbono interfere em um processo natural: a Terra recebe uma grande quantidade de energia do Sol. Parte da qual deveria retornar ao espaço, mas o carbono atua como uma barreira e retém parte dessa energia, o que aquece o planeta. É o famoso “efeito estufa”.
  3. Três gases principais estão envolvidos: dióxido de carbono (CO2), metano e óxido de nitrato. Embora o CO2 seja o mais emitido, o metano e o óxido de nitrato são mais potentes em reter calor. Todo ano, a humanidade despeja mais de 50 bilhões de toneladas destes três gases na atmosfera.
  4. A temperatura média da Terra já está próxima de 1,5º C acima dos níveis pré-industrial. Esse aumento pode parecer pequeno, mas representa um ponto de inflexão para o clima global. Segundo o IPCC, passar desse limite poderá tornar os eventos climáticos extremos, como enchentes e secas, ainda mais frequentes e intensos.
  5. A única solução é a descarbonização, um desafio imenso devido à dependência da economia global de combustíveis fósseis. O problema é urgente e precisa de ação imediata. Não existe tempo para entreter negacionismo e/ou ignorância.

O Tecnocracia #84, sobre como o uso de energia pela humanidade nos levou à emergência climática, terminou num climinha longe do otimista — talvez “enterro de gente querida” seja mais preciso. É uma sensação comum quando se discute o tema: no balanço entre notícias boas — a popularidade explosiva da energia solar, por exemplo — e notícias ruins, estas sempre deixam um impacto maior em nós. Pessimismo e o desânimo consequente não são bons pontos de partida para resolver um problema tão urgente quanto aparentemente insolúvel. Já foi pior, mas, nessa fatia do espaço-tempo que ocupamos, não é óbvio ser otimista com a questão climática. Há o que fazer, embora não para nos devolver de onde não deveríamos ter saído. Parece claro que o marco de 1,5º C acima da temperatura pré-industrial está contratado. Vai rolar, não tem como voltar atrás. Já estamos sofrendo as consequências. O que dá é se resignar e deixar de fazer o que for possível para evitar os próximos degraus e suas consequências nefastas.

No oitavo episódio da sexta temporada do Tecnocracia, a gente vai mapear o que eu, você ou qualquer pessoa preocupada com a emergência climática pode fazer. Vamos voltar algumas décadas para entender se as sugestões com as quais crescemos ainda fazem sentido e entender se a sociedade civil tem poder e, se sim, qual ele é. Spoiler: não envolve reciclagem.

Apoie Todo mês, o Tecnocracia pensa alto sobre algumas das questões mais urgentes da nossa geração. Eu sou o Guilherme Felitti e o Tecnocracia está na campanha de financiamento do Manual do Usuário. Se você quer nos dar dinheiro por admiração ou só porque a carteira está cheia demais (nada contra, vai que), visite manualdousuario.net/apoie.

Assim como a trilogia do papel da Big Tech na tentativa de golpe de estado do bolsonarismo entre 2022 e 2023, não é só a minha voz que você vai ouvir neste episódio. Convidei gente que estuda o setor há anos para falar o que uma pessoa comum pode fazer durante a emergência climática. Os clipes vão aparecer de quando em quando.

Quando eu terminei os dois episódios anteriores sobre emergência climática, me dividi entre dois sentimentos.

Um era óbvio o suficiente para qualquer pessoa atenta perceber: é o que os cientistas climáticos chamariam de “climate doom” se a Lu baixasse neles. “Climate doom” ou pessimismo ou fatalismo climático é a percepção de que o problema é tão avassalador, impactante e sem solução que só nos resta a raiva, a resignação e até o luto. Primeira aspas do episódio, para reportagem do New York Times:

Qualquer investigação sustentada sobre os desafios que enfrentaremos no futuro, e mesmo agora, à medida que o mundo se aquece mais rápido do que o previsto, oferece uma perspectiva mais sombria.

Mergulhar nessa escuridão é também adotar um fatalismo aliado à inércia. Falta ação quando mais se precisa dela. Esse sentimento sorumbático ficou evidente no fim do Tecnocracia #84 quando falamos sobre a evolução na extração e queima de carvão ainda que o planeta siga se tornando mais quente, em alguns casos mais rápido do que o esperado. Como fugir disto?

O segundo sentimento veio depois. Ao entender o problema, fica clara a urgência e o tamanho do buraco onde estamos. Se é realmente um problema tão impactante e urgente como cada vez mais pessoas repetem (eu, inclusive), então o que dá para fazer além de ficar se corroendo de desesperança e desânimo? É uma dúvida que tenho repetido no meu diálogo interno algumas vezes por semana nos últimos anos. Aí entra o embate entre o “doom” e sua contraparte: quem está mergulhado no assunto há anos defende uma espécie de “otimismo impaciente”, como define a escocesa Hannah Ritchie, pesquisadora sênior da Universidade de Oxford na Oxford Martin School e pesquisadora-líder do Our World in Data1. Ela lançou um livro a respeito desse tema: Not the end of the world: How we can be the first generation to build a sustainable planet (sem tradução para o português). Ali, a Hannah “argumenta que muitos componentes do desastre climático são menos ruins do que o público imagina (desmatamento, pesca excessiva) ou facilmente solucionáveis ​​(plásticos nos oceanos)”, segundo o New York Times.

O livro foi super elogiado, embora gente do setor tenha lá suas ressalvas às soluções que ela apresenta. Abre aspas para o review do livro que a Bibi van der Zee, setorista de meio-ambiente do jornal britânico The Guardian, escreveu em janeiro de 2024:

O mais frustrante é que, embora Ritchie forneça recomendações para problemas específicos, ela não aborda as coisas que realmente me tiram o sono: as barreiras domésticas e geopolíticas, juntamente com os preconceitos e peculiaridades inerentes aos nossos cérebros, que se combinam para tornar as questões ambientais tão difíceis de abordar. Sabemos agora que os humanos não gostam de abrir mão das coisas; temos medo de perder o que já temos e medo de mudar. Somos brilhantes em inventar coisas e dar grandes saltos de imaginação, mas somos terríveis em olhar para o futuro e em entender os riscos associados a essas invenções.

É uma das linhas de argumentação desde o primeiro episódio do Tecnocracia, em janeiro de 20192: tecnologia não é solução em si se não for aplicada — e bem aplicada. Governos e projetos políticos mastigam boas intenções tecnológicas como um pedaço de pepino.

Otimismo contra a emergência climática? Parece descabido dado o paredão de más notícias, mas é sempre bom lembrar que existem boas notícias. Miséria só produz uma coisa: ainda mais miséria. Fechar-se nela é um erro.

“Climate doom” de um lado, otimismo impaciente do outro. O fato de não conseguirmos resolver tudo não quer dizer que não tenhamos que solucionar nada — a abordagem juvenil do “tô fodido, truco” é tolerável só na adolescência3. Alguns problemas são tão urgentes e têm tanta coisa em jogo que não dá tempo de esperar o otimismo para agir. É exatamente pela urgência que tem que se agir em meio ao pessimismo. É o caso. A Lu tem uma expressão para isso: “power through”. A definição do Dicionário de Cambridge é na mosca: “Continuar de uma maneira forte e determinada até o fim de algo, mesmo quando é difícil.”

Então, “power through”. À parte prática.

Comentário de convidada Olá, eu sou Adriana Lippi, eu sou oceanógrafa, sou Mestre em Ciência e Tecnologia do Mar.
Tenho aí pelo menos uns 18 anos de ação no movimento ambientalista. E pensando como é que a gente pode agir diante de tantos eventos extremos, de desastres e de toda essa discussão climática, eu pensei em distribuir o que a gente pode fazer em três principais pilares.

O primeiro pilar seria questionar. Questionar como é que a gente chegou nessa situação, o que aconteceu para a gente chegar nessa situação de crise climática. Também questionar o que já está sendo feito, quais são as construções que estão sendo feitas agora, quem está fazendo, quem está à frente de ações pelo clima. Não só isso, mas também quais são as soluções que são discutidas. Até pode ser mais profundo, como questionar como é que a gente vive, como é que a nossa sociedade está estruturada.

O segundo pilar seria ir para o agir. Pode começar de uma forma bem sutil, como conversar, trazer o assunto da crise climática para o debate com familiares, com amigos, no trabalho. Depois disso, acho que a ação individual também é super importante. A gente sabe que não é ela que vai resolver tudo, mas cada ação individual tem um impacto, sim. Além disso, a gente mudar os nossos hábitos faz com que a gente crie cada vez mais atenção no nosso dia a dia e consiga perceber quais são os pontos mais difíceis, quais são as mudanças estruturais que precisam ser feitas. Sem essa ação individual, a gente também não vai sair do lugar.

E claro, ir para ação coletiva, encontrar quem são os grupos que estão agindo. Se você não puder estar junto com eles, ajudar eles, divulgar o trabalho deles, apoiar o trabalho deles.
Caso você não tenha um grupo assim na sua cidade, no seu bairro, na sua região, você pode começar a juntar pessoas que estejam preocupadas e unir pessoas para que a gente possa debater e criar novos espaços de ação.

O terceiro pilar seria o imaginar. A gente precisa também exercitar quais são os novos mundos que são possíveis, porque a gente sabe todos os problemas desse mundo.A gente pode começar agora a imaginar um mundo que vai vir no futuro.O que a gente pode fazer agora? Como é que a gente pode se organizar socialmente? Como é que a gente pode ajudar as pessoas? Como é que a gente pode construir agora o futuro que a gente vai ter em breve?

Então acho que é isso, esses três pilares aí, questionar, agir e imaginar, para a gente começar a desenvolver as ações que a gente precisa para o futuro que a gente quer.

Enquanto eu organizava a parte prática do episódio, deparei-me com uma tirinha no Bluesky que se alinhava perfeitamente com a direção que o episódio estava tomando. É do cartunista norte-americano Tommy Siegel, que também desenha… pássaros com bundas enormes4.

Tirinha de quatro quadrinhos, em que um pai explica ao filho o que fazer contra o aquecimento global em 1994, 2004, 2014 e 2024.
Tirinha: Tommy Siegel/Reprodução.

A tirinha crava na evolução do que foi dito à sociedade — eu e você — sobre o papel que temos na emergência climática. Vamos tirar algo da frente logo de cara que eu não quero ser acusado de fazer “clickbait”: existe muito pouco que uma pessoa comum possa fazer sozinha para salvar o planeta que não envolva política. Deixa eu refazer a frase de uma forma mais direta: se o Trump ganhar a eleição dos Estados Unidos em novembro de 20245, você pode se mudar para uma palmeira, vestir apenas fibras naturais tecidas à mão, locomover-se em uma bicicleta feita de bambu e alimentar-se só de grãos que não vai fazer a menor diferença.

Eu faço questão de começar com essa paulada para que não haja o risco de cairmos em uma falácia sobre o tema: a de que a culpa é majoritariamente de pessoas comuns. É uma acusação corriqueira quando se fala de problemas de fundo ambiental. Por exemplo: há alguns anos, o estado de São Paulo sofreu uma grande crise hídrica e a principal linha argumentativa do governo estadual era sugerir banhos mais curtos. A campanha ignorava que o consumo doméstico está longe de ser o que mais consome e desperdiça água, mas passava a impressão de que a responsabilidade maior é de quem gastava 10 minutos a mais no banho. Não era. Nunca foi. Jamais será.

Gráfico em barras de pesquisa com estadunidenses de atividades que combatem o aquecimento global.
Gráfico: Washington Post/Reprodução.

Essas mudanças individuais não vão, sozinhas, resolver a questão. Parar a emergência climática exige envolvimento institucional — governos e empresas, majoritariamente. Legal, então o que sobra para nós, pessoas comuns?

Para responder à questão, bonitinho e bonitinha, vamos antes dar um passo atrás e analisar o que a sociedade acha que salva o planeta. Em agosto de 2023, o jornal Washington Post e a Universidade de Maryland fizeram uma pesquisa questionando mais de 1,4 mil pessoas sobre atividades mundanas que elas acreditavam ter impacto negativo no meio-ambiente. Abre aspas para os resultados:

A pesquisa descobriu que quase 6 em cada 10 americanos acham que reciclar terá muito ou algum impacto nas mudanças climáticas, sendo essa a segunda ação mais bem avaliada, atrás da instalação de painéis solares. Cerca de um terço dizem o mesmo sobre usar um fogão elétrico em vez de um fogão a gás, e 24% dizem que dirigir mais devagar ajudaria.

Ao mesmo tempo, “cerca de dois terços dizem que não comer carne ou laticínios teria pouco ou nenhum efeito nas mudanças climáticas”.

É o contrário: ações como reciclagem e dirigir devagar “provavelmente não farão muita diferença na redução das emissões de gases de efeito estufa”. “‘Essas nem são realmente soluções climáticas’, disse Jonathan Foley, diretor executivo do Project Drawdown, uma organização sem fins lucrativos que avalia soluções climáticas.” Por outro lado, comer carne ou laticínios é bem mais impactante do que o público acredita. Não encontrei pesquisa semelhante feita no Brasil. Queria muito saber se esse descolamento na percepção ambiental se reflete por aqui também. Uma pena.

Sobre reciclagem, existe praticamente um consenso de que reciclar seu lixo tem o potencial de diminuir resíduos e economizar insumos necessários para a produção de novos produtos, mas isso não faz dela uma grande solução para descarbonizar o planeta. Bom deixar claro que não é uma conclusão cimentada. Estudo publicado na Science em março de 2024 afirma que o metano liberado por lixões abertos pode ser até 3x maior do que o registrado por agências federais.

As estimativas das emissões de metano são feitas historicamente com modelagem computacional, dadas as dificuldades de cravar sensores nas montanhas de lixo. A pesquisa, conduzida por 17 pesquisadores ligados à Environmental Protection Agency (EPA) do governo dos EUA, à coalizão Carbon Mapper, ao Laboratório de Propulsão da NASA e à Arizona State University, usou espectrômetros aéreos de imagem para medir as emissões e comparar os dados com os calculados pelos modelos da EPA. Se corroborada por novas medições, a diferença pode dar novo peso à reciclagem na discussão pelo acúmulo de metano nas camadas de lixo, algo que o New York Times chamou de “lasanha de lixo”.

A BBC estima que as emissões evitadas pela reciclagem em 30 anos equivalem às emissões do Japão, o quinto maior emissor do mundo, em um ano. É tipo você querer economizar desligando o abajur enquanto o ar-condicionado está torando com ninguém em casa: melhor aplicar este esforço em outra área mais impactante. A The Atlantic frisa: se quiser se tornar relevante mesmo, a reciclagem vai ter que avançar em materiais como plástico — nos países líderes no quesito, menos de 14% dos plásticos são reciclados, segundo a Our World In Data. E nem todos os tipos de plásticos são recicláveis ou têm um processo economicamente viável.

Trocar seu carro a gasolina ou a álcool6 por um elétrico é uma boa? Pode até ser, desde que a origem dessa eletricidade seja a mais limpa possível — queimar diesel num gerador para encher a bateria do seu carro é a mesma coisa que enrolar seu X-bacon numa folha de couve. Não vai fazer muita diferença no fim. Para considerar a questão automotiva é preciso lembrar que as emissões estão tanto no uso como na fabricação. A consultoria Ricardo estima que fabricar um carro com bateria emite 57% mais carbono que um carro com motor a combustão. No médio prazo, porém, o segundo produz 26% mais carbono que o elétrico. Se puder comprar usado, melhor ainda.

Já que falamos no metano, outra possível alteração diária é diminuir o consumo de carne. Segundo dados da FAO analisados pela Deutsche Welle, “cerca de 15% das emissões globais de gases com efeito de estufa vêm da pecuária — quase o mesmo nível de emissões dos transportes”. E esse problema tá no nosso quintal: o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, mas compensa sendo o quarto maior emissor de carbono desde 1850 por manejo de terra — leia-se queimadas e desmatamento. Abre aspas para reportagem do jornal Folha de S. Paulo de outubro 2023:

Ligada ao desmatamento, a produção de alimentos no Brasil concentra quase 74% (73,7%) das emissões de gases de efeito-estufa do país. Desse total, a maior parte (78%) é gerada pela cadeia da carne bovina. A estimativa foi divulgada pelo Observatório do Clima.

Com fogo ou motosserra, a floresta vira pasto para pecuária.

O problema vem em duas frentes. Por um lado, o metano emitido durante a digestão de ruminantes como bovinos, ovinos e caprinos. Por outro, o carbono do desmatamento e queimadas para transformar floresta em pasto. Quer introduzir mudanças na sua dieta sem abandonar a carne? Prefira produtores que não foram pegos comprando carne de fornecedores ligados a desmatamento ilegal. Abre aspas para reportagem da Sustentabilidade Brasil de outubro de 2024:

O varejo de alimentos está atrasado na adoção de práticas para frear a compra de carne bovina vinda de áreas desmatadas ilegalmente na região da Amazônia Legal. De uma lista de 67 grandes varejistas brasileiras, apenas quatro atuam nesse monitoramento de fornecedores: Grupo Pão de Açúcar (GPA), Carrefour, Assaí Atacadista e Cencosud Brasil, segundo o Radar Verde, índice apurado em parceria pelo Instituto O Mundo que Queremos e pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Comentário da convidada Oi, eu sou Karina Bruno Lima, bacharel e mestre em Geografia, doutoranda em Climatologia, com pesquisa focada em tempestades, eventos extremos e desastres. Também sou divulgadora científica, comunicando sobre mudanças climáticas e meio ambiente. Acredito que, embora as ações individuais devam ser incentivadas, pois não estamos enfrentando apenas uma crise climática, mas também uma crise ecológica, precisamos reduzir nosso impacto no planeta. Temos que começar a enxergar o planeta de outra forma — ele não pode ser tratado apenas como um fornecedor de recursos. No entanto, a solução para a crise climática é sistêmica e envolve política.

Infelizmente, os tomadores de decisão não fizeram o que era necessário décadas atrás, e agora a situação está ainda mais complicada. Como eles continuam sem agir da maneira que precisamos, quanto mais pessoas conscientes e mobilizadas para pressionar, maiores serão nossas chances de mudança. Tudo começa quando entendemos que essa questão precisa ser uma prioridade em nossas vidas. A crise climática é o maior desafio da humanidade, e ela atravessa todas as áreas.

A partir do momento em que compreendemos a gravidade da situação, passamos a buscar mais informações de forma ativa, em vez de apenas recebê-las passivamente. Isso nos leva a falar sobre o tema com outras pessoas, seja no nosso círculo próximo, com familiares e amigos, e ajudamos a conscientizar e mobilizar mais gente. Não devemos subestimar nosso poder de influência sobre os outros.

Quanto mais pessoas conscientes e mobilizadas, mais votos serão direcionados a representantes que realmente se importam com essa questão e que também enxergam a crise climática como prioridade. Assim, poderemos cobrar os planos de governo necessários para enfrentar essa crise e garantir que esses planos sejam implementados. É crucial entender que ainda não está tudo perdido. Embora alguns danos sejam irreversíveis, ainda há muito o que salvar. Cada décimo de grau importa, faz diferença. Não é um cenário de tudo ou nada — existem vários caminhos e possibilidades. O futuro será determinado pelas ações que tomarmos agora e pela velocidade com que as implementarmos.

Estamos em uma década crítica, decisiva, que não só define o nosso futuro no curto prazo, mas também o futuro das próximas gerações. Este é um momento extremamente importante, e precisamos de uma forte adesão popular para enfrentar essa crise. Ainda é possível salvar muitas vidas humanas, muita biodiversidade, e garantir um futuro melhor para todos nós.

A gente podia gastar mais uma hora falando sobre mudanças muito pontuais que qualquer pessoa preocupada poderia implementar na sua rotina, mas o foco do episódio não é o “varejo”. Se a ideia é colocar energia no que funciona de fato, vejamos, então, o que funciona no “atacado”. Abre aspas para a Folha em agosto de 2024:

Frear o aquecimento do planeta exige uma redução abrangente dos gases de efeito estufa, mas muitas das iniciativas lançadas com esse propósito não atingem resultados relevantes. Para tentar descobrir o que realmente funciona, um time internacional de cientistas analisou mais de 1.500 políticas públicas climáticas, provenientes de 41 países em 6 continentes, e implementadas ao longo de duas décadas. O resultado, publicado na revista Science, foi classificado como “preocupante” pelos pesquisadores: a maioria das medidas utilizadas não conseguiu atingir a escala necessária de redução das emissões.

A pesquisa, feita a partir de um algoritmo de machine learning, “apontou 69 reduções significativas. Dessas, 63 estavam associadas à adoção ou intensificação de pelo menos uma política pública em um intervalo de dois anos. A maioria dos casos de queda de emissões, cerca de 70%, estava associado a duas ou mais políticas públicas aplicadas em conjunto.”

Deixa eu repetir as duas palavrinhas de novo: política pública.

De novo.

Política.

Pública.

Quais são as medidas realmente efetivas no dia a dia?

Abre aspas para What can I do about the climate emergency? (A lot! Here’s how!), um livreto de 14 páginas escrito pela escritora, historiadora e ativista Rebecca Solnit e disponível de graça online:

É absolutamente bom reduzir seu impacto climático por meio do que você compra, come e faz; como você viaja; e outras coisas sobre as quais você tem controle. Mas há duas coisas importantes a considerar: uma é que não podemos chegar onde precisamos ir apenas com todos ficando em casa e tomando cuidado com o que comem ou andando de bicicleta. Precisamos de uma grande mudança e precisamos dela rápido, e só chegaremos lá por meio do engajamento público e do esforço coletivo. A outra é que a indústria de combustíveis fósseis fez campanha para fazer as pessoas pensarem sobre suas próprias pegadas climáticas para tentar nos convencer de que somos o problema e nos concentrar em nós mesmos em vez de nelas e na mudança do sistema.

Nos últimos meses surgiram alguns bons guias detalhando o que a/o cidadã/o médio/a — eu e você, bonito e bonita — podemos fazer para

Você vai se frustrar se abrir estes guias esperando encontrar direcionamentos concretos em ações palpáveis, como estes que falamos há alguns minutos. Os objetivos aqui são mais gerais e, exatamente por isso, mais impactantes. A Rebecca Solnit, por exemplo, quebra o problema em quatro grandes ações no seu livreto:

  1. Informe-se (estamos fazendo isso aqui para entender o problema de verdade, longe de delírios);
  2. Escolha uma escala (município? Estado? País? Planeta?);
  3. Ache um grupo (principalmente com quem já está na discussão há anos e pode te indicar o que fazer); e
  4. Consequências diretas e indiretas (nenhuma mudança é livre de adaptações — acostume-se com a ideia e entenda do que você não quer abrir mão).

Uma parte importante no Informe-se é entender melhor como a sociedade vê o problema. Há alguns anos, a Novelo Data, minha empresa de análise de dados, fez um projeto para entender os principais assuntos ambientais debatidos em pt-BR nas redes sociais durante a última década. Um exercício: qual foi o post ambiental com mais engajamentos desde 2014 no Brasil? Pode chutar. Foi um post do Quebrando o Tabu mostrando uma tarde em agosto de 2019 na qual o céu de São Paulo anoiteceu perto das 15h, consequência de uma frente fria mais fumaça vinda de queimadas na Amazônia. Foram mais de 1,7 milhão de engajamentos com a foto no Instagram. A noite em SP dominou o debate não apenas ambiental por dois dias ao dar uma amostra clara que os problemas de desmatamento e queimadas na Amazônia não estão tão longe da vida de quem mora fisicamente longe dali. Mostra que o problema é de todo mundo.

Como vai promover grandes mudanças que impactam a sociedade? Fazendo política. Principalmente votando em que não apenas reconhece que a crise climática é real e urgente como também está interessada/o em tomar ações para contê-la. É uma dureza falar isso com furacões batendo recordes, mas colocar no Legislativo e no Executivo quem não nega ou ignora a emergência climática já é um grande avanço.

Regulamentar empresas que emitem toneladas de carbono e ainda gastam bilhões de dólares para acobertar os malefícios e posar de inovadoras. Tirar subsídios públicos de empresas que poluem o meio-ambiente. Investir em transporte público para diminuir o uso de transporte individual. Investir na transição da matriz energética.

“Guilherme, mas o que eu posso fazer além de votar?” Bonito e bonita, eu não tenho essa resposta. Eu gosto muito do resumo que a Fatima Ibrahim, co-presidente da ONG britânica Green New Deal UK, deu ao canal do Jack Harries no YouTube: o problema é grande o suficiente para acomodar todo tipo de habilidade, todo tipo de histórico profissional, todo tipo de interesse. Preciso marchar na rua? Não necessariamente. Preciso virar um(a) ativista? Não necessariamente. Preciso gastar meu dinheiro? Não necessariamente. O que você precisa é entender o que você tem a contribuir e quanto você tem a contribuir, seja dinheiro ou talento.

Diagrama de Venn apontando o que pode ser feito por pessoas.
Gráfico: Ayana Elizabeth Johnson/Reprodução.

Bióloga marinha e autora de três livros sobre o tema, a Ayana Elizabeth Johnson criou um diagrama de Venn que te ajuda a pensar no teu papel. São três círculos que se cruzam: o primeiro é do que te traz satisfação, o segundo das coisas nas quais você é bom e o terceiro com o trabalho que precisa ser feito. A interseção dos três é onde você pode colocar sua energia. Se a expectativa era ter um guia pronto, pode soar meio esotérico e um pouco frustrante, eu sei. Mas não tem melhor caminho do que descobrir qual é a melhor ajuda que você pode dar ao problema.

Quer um exemplo prático? Eu. Minha maior experiência é com dados. Há anos eu trabalho com organizações dedicadas ao meio-ambiente. Nos últimos dois anos, eu e meu sócio entendemos que é uma área fundamental para se colocar nosso esforço — não só pelo dinheiro (que é bom, já que todo mundo tem contas), mas também pelo que a gente acredita. A Novelo Data está pivotando para inteligência artificial aplicada ao meio-ambiente como forma de acelerar soluções às mudanças climáticas7. Há uma miríade de aplicações que ajudam a diminuir o volume das emissões, inclusive nos próprios modelos para torná-los menos poluentes. Mas isso é um assunto para outra hora. Minha experiência também é em processar informação na cabeça e regurgitar uma narrativa que pare de pé — é basicamente isso que você está ouvindo no Tecnocracia. São nestas áreas que minhas contribuições são melhores, mais do que desenhar arquitetura de parque eólico ou processar petroleira. Encontre onde você se encaixa — o problema é grande o suficiente para todo tipo de contribuição.

Comentário da convidada Olá, eu sou Giovana Girardi, jornalista de ciência e meio ambiente há mais de 20 anos, e atualmente sou chefe da cobertura climática da Agência Pública, além de apresentar o podcast Bom Dia, Fim do Mundo.

Realmente, é difícil imaginar que um problema tão amplo e intrincado, que envolve todos os setores da nossa economia e da nossa vida, possa ser resolvido apenas com ações individuais. Claro que, se todas as pessoas do planeta decidissem reduzir em 50% o consumo de carne, por exemplo, isso teria impacto na criação de rebanhos, especialmente em áreas de floresta. Com isso, conseguiríamos reduzir tanto as emissões resultantes do desmatamento ligado à pecuária, quanto as emissões de metano provenientes da digestão do gado.

Porém, quando falamos de ação individual, dificilmente estamos falando de algo que envolva os mais de 8 bilhões de habitantes do planeta, certo? Geralmente, falamos de mudanças feitas por um grupo restrito, capaz de alterar seu estilo de vida e consumo. E por que digo isso? Porque uma coisa é você poder fazer escolhas, como usar mais a bicicleta em vez do carro. Mas, até que ponto as cidades estão preparadas para incentivar o uso de bicicletas? Há ciclovias suficientes? Há segurança para os ciclistas? As cidades incentivam o uso de transporte público em vez de carros? Muitas pessoas usam transporte público por necessidade, mas aquelas que usam carro têm incentivos para deixá-lo em casa?

Essa estrutura só pode ser fornecida pelo poder público. Assim como cabe ao governo criar desincentivos ao uso do carro, como taxas extras para estacionar no centro ou impostos mais altos para combustíveis fósseis.

Para mim, quando falamos sobre o poder do indivíduo no combate às mudanças climáticas, o mais importante é o voto. Escolher governantes e parlamentares alinhados com a agenda climática é crucial. Eles podem propor projetos para taxar produtos de alta emissão de carbono, combater o desmatamento, punir queimadas, ou promover o uso de energias renováveis. A melhor ação individual que podemos realizar é eleger pessoas comprometidas com essas pautas, e, além de elegê-las, cobrar que cumpram suas promessas.

Então, para mim, o papel mais importante do indivíduo é votar conscientemente. É isso!

Vamos encerrar.

Jornalista ambiental responsável pela newsletter Planet:Critical, a Rachel Donald foi perguntada sobre o tema em uma conferência em Londres na segunda metade de 2024. Abre aspas para o texto dela:

Sinceramente, me sinto frustrado ao ouvir essa pergunta: “O que podemos fazer?” Não sei o que você pode fazer. Você terá que descobrir o que pode fazer. E se você não sabe agora, a única coisa que pode fazer é continuar ouvindo. Você tem um painel na sua frente com um enorme conhecimento acumulado sobre a crise, que não pode ser consertado com uma bala de prata, ou uma solução que pode ser ampliada. Esse é o ponto. E se alguém vier e prescrever uma “solução”, sugiro que você corra na direção oposta. Cabe a você pegar o conhecimento das pessoas que pesquisam isso e aplicá-lo ao seu local. Até lá, continue ouvindo.

Eu entendo que é avassalador estar no precipício da crise que fica mais escura a cada novo detalhe. Eu entendo que soluções não são fáceis de encontrar, e saber por onde começar é ainda mais difícil, mas dada a escala de complexidade, não acredito mais que ideias podem iluminar o caminho; devem ser pessoas, seres vivos. Quando eu estava discutindo relacionalidade e novos modelos de organização política em um painel diferente alguns meses atrás, fui desafiada por um membro da plateia que me perguntou: “Mas como podemos escalar isso?” Tive a mesma discussão ontem durante o almoço, e minha resposta é a mesma: não quero que essas coisas escalem. Quero que elas “de-escalem”. Onde antes tínhamos pilares centralizados de poder, sonho com um mundo de redes de apoio. Sonho com uma teia, não um palácio, pois os palácios eventualmente se tornam tumbas.

Deixa eu repetir duas frases do episódio.

A primeira: política pública.

A segunda: se alguém vier e prescrever uma “solução”, corra na direção oposta.

A saída disto envolve escala e envolvimento. Eu já vou ficar feliz se você terminar o episódio com isso na cabeça: ação individual é bom, mas a solução só vem com política pública e não existe solução fácil, daquelas que você aperta um botãozinho e, plim, tudo resolvido. Outra coisa: tecnologia ajuda, mas política pública mastiga tecnologia de lanchinho da tarde. Enquanto você pensa como pode ajudar, tenta em mente o seguinte: vote direito. Vote como se a respiração dos seus filhos dependesse disto. Por que depende.

  1. Todo meu amor para o Our World in Data, vocês merecem o mundo — mas um mundo não tão quente.
  2. Rapaz, já vai fazer seis anos! O clichê do tempo que voa, como todo clichê, tem um bom lado de verdade.
  3. E olhe lá.
  4. Jamais imaginei que essa frase seria não só elaborada como dita em voz alta.
  5. Você do futuro já tem a resposta. Me diz seis números, por favor.
  6. Hoje três quartos da frota brasileira é de carros flex, ou seja, a escolha não é comprar um carro, mas abastecê-lo com álcool.
  7. Merchan, mas tem razão para o merchan.

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Este é o terceiro episódio do Tecnocracia sobre a emergência climática. No episódio #78 demos uma pincelada geral no problema e no #84 falamos sobre como a humanidade usa energia, a principal razão para estarmos neste buraco. Dá para ouvir este episódio tranquilamente sem ouvir os outros, mas você aproveitará melhor as informações se ouvi-los em ordem.

Um resumo rápido do que estamos falando — repetição é nossa amiga quando trabalhamos com problemas urgentes:

  1. Há um consenso científico de que o planeta está esquentando por ação humana, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis e à liberação de gases carregados de carbono na atmosfera.
  2. O excesso de carbono interfere em um processo natural: a Terra recebe uma grande quantidade de energia do Sol. Parte da qual deveria retornar ao espaço, mas o carbono atua como uma barreira e retém parte dessa energia, o que aquece o planeta. É o famoso “efeito estufa”.
  3. Três gases principais estão envolvidos: dióxido de carbono (CO2), metano e óxido de nitrato. Embora o CO2 seja o mais emitido, o metano e o óxido de nitrato são mais potentes em reter calor. Todo ano, a humanidade despeja mais de 50 bilhões de toneladas destes três gases na atmosfera.
  4. A temperatura média da Terra já está próxima de 1,5º C acima dos níveis pré-industrial. Esse aumento pode parecer pequeno, mas representa um ponto de inflexão para o clima global. Segundo o IPCC, passar desse limite poderá tornar os eventos climáticos extremos, como enchentes e secas, ainda mais frequentes e intensos.
  5. A única solução é a descarbonização, um desafio imenso devido à dependência da economia global de combustíveis fósseis. O problema é urgente e precisa de ação imediata. Não existe tempo para entreter negacionismo e/ou ignorância.

O Tecnocracia #84, sobre como o uso de energia pela humanidade nos levou à emergência climática, terminou num climinha longe do otimista — talvez “enterro de gente querida” seja mais preciso. É uma sensação comum quando se discute o tema: no balanço entre notícias boas — a popularidade explosiva da energia solar, por exemplo — e notícias ruins, estas sempre deixam um impacto maior em nós. Pessimismo e o desânimo consequente não são bons pontos de partida para resolver um problema tão urgente quanto aparentemente insolúvel. Já foi pior, mas, nessa fatia do espaço-tempo que ocupamos, não é óbvio ser otimista com a questão climática. Há o que fazer, embora não para nos devolver de onde não deveríamos ter saído. Parece claro que o marco de 1,5º C acima da temperatura pré-industrial está contratado. Vai rolar, não tem como voltar atrás. Já estamos sofrendo as consequências. O que dá é se resignar e deixar de fazer o que for possível para evitar os próximos degraus e suas consequências nefastas.

No oitavo episódio da sexta temporada do Tecnocracia, a gente vai mapear o que eu, você ou qualquer pessoa preocupada com a emergência climática pode fazer. Vamos voltar algumas décadas para entender se as sugestões com as quais crescemos ainda fazem sentido e entender se a sociedade civil tem poder e, se sim, qual ele é. Spoiler: não envolve reciclagem.

Apoie Todo mês, o Tecnocracia pensa alto sobre algumas das questões mais urgentes da nossa geração. Eu sou o Guilherme Felitti e o Tecnocracia está na campanha de financiamento do Manual do Usuário. Se você quer nos dar dinheiro por admiração ou só porque a carteira está cheia demais (nada contra, vai que), visite manualdousuario.net/apoie.

Assim como a trilogia do papel da Big Tech na tentativa de golpe de estado do bolsonarismo entre 2022 e 2023, não é só a minha voz que você vai ouvir neste episódio. Convidei gente que estuda o setor há anos para falar o que uma pessoa comum pode fazer durante a emergência climática. Os clipes vão aparecer de quando em quando.

Quando eu terminei os dois episódios anteriores sobre emergência climática, me dividi entre dois sentimentos.

Um era óbvio o suficiente para qualquer pessoa atenta perceber: é o que os cientistas climáticos chamariam de “climate doom” se a Lu baixasse neles. “Climate doom” ou pessimismo ou fatalismo climático é a percepção de que o problema é tão avassalador, impactante e sem solução que só nos resta a raiva, a resignação e até o luto. Primeira aspas do episódio, para reportagem do New York Times:

Qualquer investigação sustentada sobre os desafios que enfrentaremos no futuro, e mesmo agora, à medida que o mundo se aquece mais rápido do que o previsto, oferece uma perspectiva mais sombria.

Mergulhar nessa escuridão é também adotar um fatalismo aliado à inércia. Falta ação quando mais se precisa dela. Esse sentimento sorumbático ficou evidente no fim do Tecnocracia #84 quando falamos sobre a evolução na extração e queima de carvão ainda que o planeta siga se tornando mais quente, em alguns casos mais rápido do que o esperado. Como fugir disto?

O segundo sentimento veio depois. Ao entender o problema, fica clara a urgência e o tamanho do buraco onde estamos. Se é realmente um problema tão impactante e urgente como cada vez mais pessoas repetem (eu, inclusive), então o que dá para fazer além de ficar se corroendo de desesperança e desânimo? É uma dúvida que tenho repetido no meu diálogo interno algumas vezes por semana nos últimos anos. Aí entra o embate entre o “doom” e sua contraparte: quem está mergulhado no assunto há anos defende uma espécie de “otimismo impaciente”, como define a escocesa Hannah Ritchie, pesquisadora sênior da Universidade de Oxford na Oxford Martin School e pesquisadora-líder do Our World in Data1. Ela lançou um livro a respeito desse tema: Not the end of the world: How we can be the first generation to build a sustainable planet (sem tradução para o português). Ali, a Hannah “argumenta que muitos componentes do desastre climático são menos ruins do que o público imagina (desmatamento, pesca excessiva) ou facilmente solucionáveis ​​(plásticos nos oceanos)”, segundo o New York Times.

O livro foi super elogiado, embora gente do setor tenha lá suas ressalvas às soluções que ela apresenta. Abre aspas para o review do livro que a Bibi van der Zee, setorista de meio-ambiente do jornal britânico The Guardian, escreveu em janeiro de 2024:

O mais frustrante é que, embora Ritchie forneça recomendações para problemas específicos, ela não aborda as coisas que realmente me tiram o sono: as barreiras domésticas e geopolíticas, juntamente com os preconceitos e peculiaridades inerentes aos nossos cérebros, que se combinam para tornar as questões ambientais tão difíceis de abordar. Sabemos agora que os humanos não gostam de abrir mão das coisas; temos medo de perder o que já temos e medo de mudar. Somos brilhantes em inventar coisas e dar grandes saltos de imaginação, mas somos terríveis em olhar para o futuro e em entender os riscos associados a essas invenções.

É uma das linhas de argumentação desde o primeiro episódio do Tecnocracia, em janeiro de 20192: tecnologia não é solução em si se não for aplicada — e bem aplicada. Governos e projetos políticos mastigam boas intenções tecnológicas como um pedaço de pepino.

Otimismo contra a emergência climática? Parece descabido dado o paredão de más notícias, mas é sempre bom lembrar que existem boas notícias. Miséria só produz uma coisa: ainda mais miséria. Fechar-se nela é um erro.

“Climate doom” de um lado, otimismo impaciente do outro. O fato de não conseguirmos resolver tudo não quer dizer que não tenhamos que solucionar nada — a abordagem juvenil do “tô fodido, truco” é tolerável só na adolescência3. Alguns problemas são tão urgentes e têm tanta coisa em jogo que não dá tempo de esperar o otimismo para agir. É exatamente pela urgência que tem que se agir em meio ao pessimismo. É o caso. A Lu tem uma expressão para isso: “power through”. A definição do Dicionário de Cambridge é na mosca: “Continuar de uma maneira forte e determinada até o fim de algo, mesmo quando é difícil.”

Então, “power through”. À parte prática.

Comentário de convidada Olá, eu sou Adriana Lippi, eu sou oceanógrafa, sou Mestre em Ciência e Tecnologia do Mar.
Tenho aí pelo menos uns 18 anos de ação no movimento ambientalista. E pensando como é que a gente pode agir diante de tantos eventos extremos, de desastres e de toda essa discussão climática, eu pensei em distribuir o que a gente pode fazer em três principais pilares.

O primeiro pilar seria questionar. Questionar como é que a gente chegou nessa situação, o que aconteceu para a gente chegar nessa situação de crise climática. Também questionar o que já está sendo feito, quais são as construções que estão sendo feitas agora, quem está fazendo, quem está à frente de ações pelo clima. Não só isso, mas também quais são as soluções que são discutidas. Até pode ser mais profundo, como questionar como é que a gente vive, como é que a nossa sociedade está estruturada.

O segundo pilar seria ir para o agir. Pode começar de uma forma bem sutil, como conversar, trazer o assunto da crise climática para o debate com familiares, com amigos, no trabalho. Depois disso, acho que a ação individual também é super importante. A gente sabe que não é ela que vai resolver tudo, mas cada ação individual tem um impacto, sim. Além disso, a gente mudar os nossos hábitos faz com que a gente crie cada vez mais atenção no nosso dia a dia e consiga perceber quais são os pontos mais difíceis, quais são as mudanças estruturais que precisam ser feitas. Sem essa ação individual, a gente também não vai sair do lugar.

E claro, ir para ação coletiva, encontrar quem são os grupos que estão agindo. Se você não puder estar junto com eles, ajudar eles, divulgar o trabalho deles, apoiar o trabalho deles.
Caso você não tenha um grupo assim na sua cidade, no seu bairro, na sua região, você pode começar a juntar pessoas que estejam preocupadas e unir pessoas para que a gente possa debater e criar novos espaços de ação.

O terceiro pilar seria o imaginar. A gente precisa também exercitar quais são os novos mundos que são possíveis, porque a gente sabe todos os problemas desse mundo.A gente pode começar agora a imaginar um mundo que vai vir no futuro.O que a gente pode fazer agora? Como é que a gente pode se organizar socialmente? Como é que a gente pode ajudar as pessoas? Como é que a gente pode construir agora o futuro que a gente vai ter em breve?

Então acho que é isso, esses três pilares aí, questionar, agir e imaginar, para a gente começar a desenvolver as ações que a gente precisa para o futuro que a gente quer.

Enquanto eu organizava a parte prática do episódio, deparei-me com uma tirinha no Bluesky que se alinhava perfeitamente com a direção que o episódio estava tomando. É do cartunista norte-americano Tommy Siegel, que também desenha… pássaros com bundas enormes4.

Tirinha de quatro quadrinhos, em que um pai explica ao filho o que fazer contra o aquecimento global em 1994, 2004, 2014 e 2024.
Tirinha: Tommy Siegel/Reprodução.

A tirinha crava na evolução do que foi dito à sociedade — eu e você — sobre o papel que temos na emergência climática. Vamos tirar algo da frente logo de cara que eu não quero ser acusado de fazer “clickbait”: existe muito pouco que uma pessoa comum possa fazer sozinha para salvar o planeta que não envolva política. Deixa eu refazer a frase de uma forma mais direta: se o Trump ganhar a eleição dos Estados Unidos em novembro de 20245, você pode se mudar para uma palmeira, vestir apenas fibras naturais tecidas à mão, locomover-se em uma bicicleta feita de bambu e alimentar-se só de grãos que não vai fazer a menor diferença.

Eu faço questão de começar com essa paulada para que não haja o risco de cairmos em uma falácia sobre o tema: a de que a culpa é majoritariamente de pessoas comuns. É uma acusação corriqueira quando se fala de problemas de fundo ambiental. Por exemplo: há alguns anos, o estado de São Paulo sofreu uma grande crise hídrica e a principal linha argumentativa do governo estadual era sugerir banhos mais curtos. A campanha ignorava que o consumo doméstico está longe de ser o que mais consome e desperdiça água, mas passava a impressão de que a responsabilidade maior é de quem gastava 10 minutos a mais no banho. Não era. Nunca foi. Jamais será.

Gráfico em barras de pesquisa com estadunidenses de atividades que combatem o aquecimento global.
Gráfico: Washington Post/Reprodução.

Essas mudanças individuais não vão, sozinhas, resolver a questão. Parar a emergência climática exige envolvimento institucional — governos e empresas, majoritariamente. Legal, então o que sobra para nós, pessoas comuns?

Para responder à questão, bonitinho e bonitinha, vamos antes dar um passo atrás e analisar o que a sociedade acha que salva o planeta. Em agosto de 2023, o jornal Washington Post e a Universidade de Maryland fizeram uma pesquisa questionando mais de 1,4 mil pessoas sobre atividades mundanas que elas acreditavam ter impacto negativo no meio-ambiente. Abre aspas para os resultados:

A pesquisa descobriu que quase 6 em cada 10 americanos acham que reciclar terá muito ou algum impacto nas mudanças climáticas, sendo essa a segunda ação mais bem avaliada, atrás da instalação de painéis solares. Cerca de um terço dizem o mesmo sobre usar um fogão elétrico em vez de um fogão a gás, e 24% dizem que dirigir mais devagar ajudaria.

Ao mesmo tempo, “cerca de dois terços dizem que não comer carne ou laticínios teria pouco ou nenhum efeito nas mudanças climáticas”.

É o contrário: ações como reciclagem e dirigir devagar “provavelmente não farão muita diferença na redução das emissões de gases de efeito estufa”. “‘Essas nem são realmente soluções climáticas’, disse Jonathan Foley, diretor executivo do Project Drawdown, uma organização sem fins lucrativos que avalia soluções climáticas.” Por outro lado, comer carne ou laticínios é bem mais impactante do que o público acredita. Não encontrei pesquisa semelhante feita no Brasil. Queria muito saber se esse descolamento na percepção ambiental se reflete por aqui também. Uma pena.

Sobre reciclagem, existe praticamente um consenso de que reciclar seu lixo tem o potencial de diminuir resíduos e economizar insumos necessários para a produção de novos produtos, mas isso não faz dela uma grande solução para descarbonizar o planeta. Bom deixar claro que não é uma conclusão cimentada. Estudo publicado na Science em março de 2024 afirma que o metano liberado por lixões abertos pode ser até 3x maior do que o registrado por agências federais.

As estimativas das emissões de metano são feitas historicamente com modelagem computacional, dadas as dificuldades de cravar sensores nas montanhas de lixo. A pesquisa, conduzida por 17 pesquisadores ligados à Environmental Protection Agency (EPA) do governo dos EUA, à coalizão Carbon Mapper, ao Laboratório de Propulsão da NASA e à Arizona State University, usou espectrômetros aéreos de imagem para medir as emissões e comparar os dados com os calculados pelos modelos da EPA. Se corroborada por novas medições, a diferença pode dar novo peso à reciclagem na discussão pelo acúmulo de metano nas camadas de lixo, algo que o New York Times chamou de “lasanha de lixo”.

A BBC estima que as emissões evitadas pela reciclagem em 30 anos equivalem às emissões do Japão, o quinto maior emissor do mundo, em um ano. É tipo você querer economizar desligando o abajur enquanto o ar-condicionado está torando com ninguém em casa: melhor aplicar este esforço em outra área mais impactante. A The Atlantic frisa: se quiser se tornar relevante mesmo, a reciclagem vai ter que avançar em materiais como plástico — nos países líderes no quesito, menos de 14% dos plásticos são reciclados, segundo a Our World In Data. E nem todos os tipos de plásticos são recicláveis ou têm um processo economicamente viável.

Trocar seu carro a gasolina ou a álcool6 por um elétrico é uma boa? Pode até ser, desde que a origem dessa eletricidade seja a mais limpa possível — queimar diesel num gerador para encher a bateria do seu carro é a mesma coisa que enrolar seu X-bacon numa folha de couve. Não vai fazer muita diferença no fim. Para considerar a questão automotiva é preciso lembrar que as emissões estão tanto no uso como na fabricação. A consultoria Ricardo estima que fabricar um carro com bateria emite 57% mais carbono que um carro com motor a combustão. No médio prazo, porém, o segundo produz 26% mais carbono que o elétrico. Se puder comprar usado, melhor ainda.

Já que falamos no metano, outra possível alteração diária é diminuir o consumo de carne. Segundo dados da FAO analisados pela Deutsche Welle, “cerca de 15% das emissões globais de gases com efeito de estufa vêm da pecuária — quase o mesmo nível de emissões dos transportes”. E esse problema tá no nosso quintal: o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, mas compensa sendo o quarto maior emissor de carbono desde 1850 por manejo de terra — leia-se queimadas e desmatamento. Abre aspas para reportagem do jornal Folha de S. Paulo de outubro 2023:

Ligada ao desmatamento, a produção de alimentos no Brasil concentra quase 74% (73,7%) das emissões de gases de efeito-estufa do país. Desse total, a maior parte (78%) é gerada pela cadeia da carne bovina. A estimativa foi divulgada pelo Observatório do Clima.

Com fogo ou motosserra, a floresta vira pasto para pecuária.

O problema vem em duas frentes. Por um lado, o metano emitido durante a digestão de ruminantes como bovinos, ovinos e caprinos. Por outro, o carbono do desmatamento e queimadas para transformar floresta em pasto. Quer introduzir mudanças na sua dieta sem abandonar a carne? Prefira produtores que não foram pegos comprando carne de fornecedores ligados a desmatamento ilegal. Abre aspas para reportagem da Sustentabilidade Brasil de outubro de 2024:

O varejo de alimentos está atrasado na adoção de práticas para frear a compra de carne bovina vinda de áreas desmatadas ilegalmente na região da Amazônia Legal. De uma lista de 67 grandes varejistas brasileiras, apenas quatro atuam nesse monitoramento de fornecedores: Grupo Pão de Açúcar (GPA), Carrefour, Assaí Atacadista e Cencosud Brasil, segundo o Radar Verde, índice apurado em parceria pelo Instituto O Mundo que Queremos e pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Comentário da convidada Oi, eu sou Karina Bruno Lima, bacharel e mestre em Geografia, doutoranda em Climatologia, com pesquisa focada em tempestades, eventos extremos e desastres. Também sou divulgadora científica, comunicando sobre mudanças climáticas e meio ambiente. Acredito que, embora as ações individuais devam ser incentivadas, pois não estamos enfrentando apenas uma crise climática, mas também uma crise ecológica, precisamos reduzir nosso impacto no planeta. Temos que começar a enxergar o planeta de outra forma — ele não pode ser tratado apenas como um fornecedor de recursos. No entanto, a solução para a crise climática é sistêmica e envolve política.

Infelizmente, os tomadores de decisão não fizeram o que era necessário décadas atrás, e agora a situação está ainda mais complicada. Como eles continuam sem agir da maneira que precisamos, quanto mais pessoas conscientes e mobilizadas para pressionar, maiores serão nossas chances de mudança. Tudo começa quando entendemos que essa questão precisa ser uma prioridade em nossas vidas. A crise climática é o maior desafio da humanidade, e ela atravessa todas as áreas.

A partir do momento em que compreendemos a gravidade da situação, passamos a buscar mais informações de forma ativa, em vez de apenas recebê-las passivamente. Isso nos leva a falar sobre o tema com outras pessoas, seja no nosso círculo próximo, com familiares e amigos, e ajudamos a conscientizar e mobilizar mais gente. Não devemos subestimar nosso poder de influência sobre os outros.

Quanto mais pessoas conscientes e mobilizadas, mais votos serão direcionados a representantes que realmente se importam com essa questão e que também enxergam a crise climática como prioridade. Assim, poderemos cobrar os planos de governo necessários para enfrentar essa crise e garantir que esses planos sejam implementados. É crucial entender que ainda não está tudo perdido. Embora alguns danos sejam irreversíveis, ainda há muito o que salvar. Cada décimo de grau importa, faz diferença. Não é um cenário de tudo ou nada — existem vários caminhos e possibilidades. O futuro será determinado pelas ações que tomarmos agora e pela velocidade com que as implementarmos.

Estamos em uma década crítica, decisiva, que não só define o nosso futuro no curto prazo, mas também o futuro das próximas gerações. Este é um momento extremamente importante, e precisamos de uma forte adesão popular para enfrentar essa crise. Ainda é possível salvar muitas vidas humanas, muita biodiversidade, e garantir um futuro melhor para todos nós.

A gente podia gastar mais uma hora falando sobre mudanças muito pontuais que qualquer pessoa preocupada poderia implementar na sua rotina, mas o foco do episódio não é o “varejo”. Se a ideia é colocar energia no que funciona de fato, vejamos, então, o que funciona no “atacado”. Abre aspas para a Folha em agosto de 2024:

Frear o aquecimento do planeta exige uma redução abrangente dos gases de efeito estufa, mas muitas das iniciativas lançadas com esse propósito não atingem resultados relevantes. Para tentar descobrir o que realmente funciona, um time internacional de cientistas analisou mais de 1.500 políticas públicas climáticas, provenientes de 41 países em 6 continentes, e implementadas ao longo de duas décadas. O resultado, publicado na revista Science, foi classificado como “preocupante” pelos pesquisadores: a maioria das medidas utilizadas não conseguiu atingir a escala necessária de redução das emissões.

A pesquisa, feita a partir de um algoritmo de machine learning, “apontou 69 reduções significativas. Dessas, 63 estavam associadas à adoção ou intensificação de pelo menos uma política pública em um intervalo de dois anos. A maioria dos casos de queda de emissões, cerca de 70%, estava associado a duas ou mais políticas públicas aplicadas em conjunto.”

Deixa eu repetir as duas palavrinhas de novo: política pública.

De novo.

Política.

Pública.

Quais são as medidas realmente efetivas no dia a dia?

Abre aspas para What can I do about the climate emergency? (A lot! Here’s how!), um livreto de 14 páginas escrito pela escritora, historiadora e ativista Rebecca Solnit e disponível de graça online:

É absolutamente bom reduzir seu impacto climático por meio do que você compra, come e faz; como você viaja; e outras coisas sobre as quais você tem controle. Mas há duas coisas importantes a considerar: uma é que não podemos chegar onde precisamos ir apenas com todos ficando em casa e tomando cuidado com o que comem ou andando de bicicleta. Precisamos de uma grande mudança e precisamos dela rápido, e só chegaremos lá por meio do engajamento público e do esforço coletivo. A outra é que a indústria de combustíveis fósseis fez campanha para fazer as pessoas pensarem sobre suas próprias pegadas climáticas para tentar nos convencer de que somos o problema e nos concentrar em nós mesmos em vez de nelas e na mudança do sistema.

Nos últimos meses surgiram alguns bons guias detalhando o que a/o cidadã/o médio/a — eu e você, bonito e bonita — podemos fazer para

Você vai se frustrar se abrir estes guias esperando encontrar direcionamentos concretos em ações palpáveis, como estes que falamos há alguns minutos. Os objetivos aqui são mais gerais e, exatamente por isso, mais impactantes. A Rebecca Solnit, por exemplo, quebra o problema em quatro grandes ações no seu livreto:

  1. Informe-se (estamos fazendo isso aqui para entender o problema de verdade, longe de delírios);
  2. Escolha uma escala (município? Estado? País? Planeta?);
  3. Ache um grupo (principalmente com quem já está na discussão há anos e pode te indicar o que fazer); e
  4. Consequências diretas e indiretas (nenhuma mudança é livre de adaptações — acostume-se com a ideia e entenda do que você não quer abrir mão).

Uma parte importante no Informe-se é entender melhor como a sociedade vê o problema. Há alguns anos, a Novelo Data, minha empresa de análise de dados, fez um projeto para entender os principais assuntos ambientais debatidos em pt-BR nas redes sociais durante a última década. Um exercício: qual foi o post ambiental com mais engajamentos desde 2014 no Brasil? Pode chutar. Foi um post do Quebrando o Tabu mostrando uma tarde em agosto de 2019 na qual o céu de São Paulo anoiteceu perto das 15h, consequência de uma frente fria mais fumaça vinda de queimadas na Amazônia. Foram mais de 1,7 milhão de engajamentos com a foto no Instagram. A noite em SP dominou o debate não apenas ambiental por dois dias ao dar uma amostra clara que os problemas de desmatamento e queimadas na Amazônia não estão tão longe da vida de quem mora fisicamente longe dali. Mostra que o problema é de todo mundo.

Como vai promover grandes mudanças que impactam a sociedade? Fazendo política. Principalmente votando em que não apenas reconhece que a crise climática é real e urgente como também está interessada/o em tomar ações para contê-la. É uma dureza falar isso com furacões batendo recordes, mas colocar no Legislativo e no Executivo quem não nega ou ignora a emergência climática já é um grande avanço.

Regulamentar empresas que emitem toneladas de carbono e ainda gastam bilhões de dólares para acobertar os malefícios e posar de inovadoras. Tirar subsídios públicos de empresas que poluem o meio-ambiente. Investir em transporte público para diminuir o uso de transporte individual. Investir na transição da matriz energética.

“Guilherme, mas o que eu posso fazer além de votar?” Bonito e bonita, eu não tenho essa resposta. Eu gosto muito do resumo que a Fatima Ibrahim, co-presidente da ONG britânica Green New Deal UK, deu ao canal do Jack Harries no YouTube: o problema é grande o suficiente para acomodar todo tipo de habilidade, todo tipo de histórico profissional, todo tipo de interesse. Preciso marchar na rua? Não necessariamente. Preciso virar um(a) ativista? Não necessariamente. Preciso gastar meu dinheiro? Não necessariamente. O que você precisa é entender o que você tem a contribuir e quanto você tem a contribuir, seja dinheiro ou talento.

Diagrama de Venn apontando o que pode ser feito por pessoas.
Gráfico: Ayana Elizabeth Johnson/Reprodução.

Bióloga marinha e autora de três livros sobre o tema, a Ayana Elizabeth Johnson criou um diagrama de Venn que te ajuda a pensar no teu papel. São três círculos que se cruzam: o primeiro é do que te traz satisfação, o segundo das coisas nas quais você é bom e o terceiro com o trabalho que precisa ser feito. A interseção dos três é onde você pode colocar sua energia. Se a expectativa era ter um guia pronto, pode soar meio esotérico e um pouco frustrante, eu sei. Mas não tem melhor caminho do que descobrir qual é a melhor ajuda que você pode dar ao problema.

Quer um exemplo prático? Eu. Minha maior experiência é com dados. Há anos eu trabalho com organizações dedicadas ao meio-ambiente. Nos últimos dois anos, eu e meu sócio entendemos que é uma área fundamental para se colocar nosso esforço — não só pelo dinheiro (que é bom, já que todo mundo tem contas), mas também pelo que a gente acredita. A Novelo Data está pivotando para inteligência artificial aplicada ao meio-ambiente como forma de acelerar soluções às mudanças climáticas7. Há uma miríade de aplicações que ajudam a diminuir o volume das emissões, inclusive nos próprios modelos para torná-los menos poluentes. Mas isso é um assunto para outra hora. Minha experiência também é em processar informação na cabeça e regurgitar uma narrativa que pare de pé — é basicamente isso que você está ouvindo no Tecnocracia. São nestas áreas que minhas contribuições são melhores, mais do que desenhar arquitetura de parque eólico ou processar petroleira. Encontre onde você se encaixa — o problema é grande o suficiente para todo tipo de contribuição.

Comentário da convidada Olá, eu sou Giovana Girardi, jornalista de ciência e meio ambiente há mais de 20 anos, e atualmente sou chefe da cobertura climática da Agência Pública, além de apresentar o podcast Bom Dia, Fim do Mundo.

Realmente, é difícil imaginar que um problema tão amplo e intrincado, que envolve todos os setores da nossa economia e da nossa vida, possa ser resolvido apenas com ações individuais. Claro que, se todas as pessoas do planeta decidissem reduzir em 50% o consumo de carne, por exemplo, isso teria impacto na criação de rebanhos, especialmente em áreas de floresta. Com isso, conseguiríamos reduzir tanto as emissões resultantes do desmatamento ligado à pecuária, quanto as emissões de metano provenientes da digestão do gado.

Porém, quando falamos de ação individual, dificilmente estamos falando de algo que envolva os mais de 8 bilhões de habitantes do planeta, certo? Geralmente, falamos de mudanças feitas por um grupo restrito, capaz de alterar seu estilo de vida e consumo. E por que digo isso? Porque uma coisa é você poder fazer escolhas, como usar mais a bicicleta em vez do carro. Mas, até que ponto as cidades estão preparadas para incentivar o uso de bicicletas? Há ciclovias suficientes? Há segurança para os ciclistas? As cidades incentivam o uso de transporte público em vez de carros? Muitas pessoas usam transporte público por necessidade, mas aquelas que usam carro têm incentivos para deixá-lo em casa?

Essa estrutura só pode ser fornecida pelo poder público. Assim como cabe ao governo criar desincentivos ao uso do carro, como taxas extras para estacionar no centro ou impostos mais altos para combustíveis fósseis.

Para mim, quando falamos sobre o poder do indivíduo no combate às mudanças climáticas, o mais importante é o voto. Escolher governantes e parlamentares alinhados com a agenda climática é crucial. Eles podem propor projetos para taxar produtos de alta emissão de carbono, combater o desmatamento, punir queimadas, ou promover o uso de energias renováveis. A melhor ação individual que podemos realizar é eleger pessoas comprometidas com essas pautas, e, além de elegê-las, cobrar que cumpram suas promessas.

Então, para mim, o papel mais importante do indivíduo é votar conscientemente. É isso!

Vamos encerrar.

Jornalista ambiental responsável pela newsletter Planet:Critical, a Rachel Donald foi perguntada sobre o tema em uma conferência em Londres na segunda metade de 2024. Abre aspas para o texto dela:

Sinceramente, me sinto frustrado ao ouvir essa pergunta: “O que podemos fazer?” Não sei o que você pode fazer. Você terá que descobrir o que pode fazer. E se você não sabe agora, a única coisa que pode fazer é continuar ouvindo. Você tem um painel na sua frente com um enorme conhecimento acumulado sobre a crise, que não pode ser consertado com uma bala de prata, ou uma solução que pode ser ampliada. Esse é o ponto. E se alguém vier e prescrever uma “solução”, sugiro que você corra na direção oposta. Cabe a você pegar o conhecimento das pessoas que pesquisam isso e aplicá-lo ao seu local. Até lá, continue ouvindo.

Eu entendo que é avassalador estar no precipício da crise que fica mais escura a cada novo detalhe. Eu entendo que soluções não são fáceis de encontrar, e saber por onde começar é ainda mais difícil, mas dada a escala de complexidade, não acredito mais que ideias podem iluminar o caminho; devem ser pessoas, seres vivos. Quando eu estava discutindo relacionalidade e novos modelos de organização política em um painel diferente alguns meses atrás, fui desafiada por um membro da plateia que me perguntou: “Mas como podemos escalar isso?” Tive a mesma discussão ontem durante o almoço, e minha resposta é a mesma: não quero que essas coisas escalem. Quero que elas “de-escalem”. Onde antes tínhamos pilares centralizados de poder, sonho com um mundo de redes de apoio. Sonho com uma teia, não um palácio, pois os palácios eventualmente se tornam tumbas.

Deixa eu repetir duas frases do episódio.

A primeira: política pública.

A segunda: se alguém vier e prescrever uma “solução”, corra na direção oposta.

A saída disto envolve escala e envolvimento. Eu já vou ficar feliz se você terminar o episódio com isso na cabeça: ação individual é bom, mas a solução só vem com política pública e não existe solução fácil, daquelas que você aperta um botãozinho e, plim, tudo resolvido. Outra coisa: tecnologia ajuda, mas política pública mastiga tecnologia de lanchinho da tarde. Enquanto você pensa como pode ajudar, tenta em mente o seguinte: vote direito. Vote como se a respiração dos seus filhos dependesse disto. Por que depende.

  1. Todo meu amor para o Our World in Data, vocês merecem o mundo — mas um mundo não tão quente.
  2. Rapaz, já vai fazer seis anos! O clichê do tempo que voa, como todo clichê, tem um bom lado de verdade.
  3. E olhe lá.
  4. Jamais imaginei que essa frase seria não só elaborada como dita em voz alta.
  5. Você do futuro já tem a resposta. Me diz seis números, por favor.
  6. Hoje três quartos da frota brasileira é de carros flex, ou seja, a escolha não é comprar um carro, mas abastecê-lo com álcool.
  7. Merchan, mas tem razão para o merchan.

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