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Guerra na Ucrânia: De Bakhmut a Kharkiv

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Conversamos com o pesquisador Augusto Teixeira (UFPB) sobre os últimos desdobramentos da guerra da Ucrânia.

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Participaram deste podcast:

Filipe Mendonça – @filipeamendonca
Augusto Teixeira – @augustotjr

Sem tempo para podcast? Leia a transcrição do episódio aqui

Citados no episódio:

Trilha sonora:

Capa do episódio:

Foto: The Devastation of Kharkiv, Ukraine | The New Yorker

Transcrição do episódio 344 – Guerra na Ucrânia: De Bakhmut a Kharkiv, com Augusto Teixeira

[Filipe Mendonça] Seja bem-vindo e seja bem-vinda ao Chutando a Escada! Eu sou Felipe Mendonça e hoje recebemos aqui o professor da Universidade Federal da Paraíba, Augusto Teixeira Júnior. Ele já esteve aqui no Chutando a Escada e agora volta para dar sequência ao debate sobre o que acontece na Ucrânia.

Ele nos fala um pouco sobre os últimos acontecimentos no teatro de operações. Também conta sobre as intenções russas na ofensiva na região de Kiev, discute as capacidades do exército ucraniano de reagir e persistir na guerra, e explica a lógica de guerra posicional e a ideia de mobilidade nas ofensivas da Rússia. Vale muito a pena ouvir o Augusto Teixeira, que já esteve aqui como mencionei.

Se você quiser aprofundar ainda mais o debate, recomendo que escute o episódio 326. Está tudo na descrição do episódio, bem mastigado para você.

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Vamos para o papo então! Com vocês, Augusto Teixeira Júnior, que fala sobre a guerra posicional, o retorno da mobilidade e as novas ofensivas da Rússia na Ucrânia.

[Vinheta de abertura]

[Filipe] Bom, eu estou aqui com Augusto Teixeira, que volta ao “Chutando a Escada”. Ele já esteve aqui no ano passado, em outubro de 2023, logo após o ataque do Hamas a Israel, bem no começo do conflito em Gaza. Naquela ocasião, conversamos um pouco sobre isso, mas o foco daquela conversa foi a Ucrânia. O episódio foi chamado “Ucrânia: Tecnologia, Estratégia e Política”. Agora, o Augusto volta para continuar falando sobre a Ucrânia. Augusto, obrigado por topar falar comigo, é sempre uma alegria enorme falar com você.

[Augusto Teixeira] Muito bom Filipe, muito obrigado pelo convite. É um prazer enorme não apenas falar contigo, mas também ter contato com a audiência grande e qualificada do “Chutando a Escada”. É um privilégio poder conversar com vocês.

[Filipe] Valeu! Se você não ouviu o episódio de outubro com o Augusto, acho que vale a pena. Vou deixar o link na descrição do episódio. Augusto, só para retomar um pouco, você enquadra o conflito na Ucrânia como um conflito clássico [guerra convencional], fazendo uma defesa dos [teóricos] clássicos. Você mencionou que parte da literatura mais contemporânea tinha decretado o fim da Geografia na guerra e de outras dimensões clássicas. E aí vem a Ucrânia e coloca novamente os clássicos na mesa, sem minimizar a importância dos novos tipos de guerra, mas destacando novamente a geografia, o terreno, o relevo, a resiliência da população civil, e a dimensão moral e psicológica da guerra como elementos centrais para entender o que está acontecendo na Ucrânia.

De lá para cá, a guerra continuou. Tivemos eleição na Rússia e Putin saiu disso legitimado. O Zelensky continua por aí; era para ter tido eleição na Ucrânia, mas Zelensky não convocou eleições, o que é até compreensível. Como realizar uma eleição numa situação como essa? Isso gera aquele curto-circuito da democracia, com o líder defendendo a luta pela democracia, mas sem convocar eleições, argumentando que não há como fazê-lo devido à situação no país. Enfim, todo esse cenário traz pressão nos Estados Unidos e na OTAN. Então, te trouxe aqui para nos ajudar a entender o que aconteceu de lá para cá, o que é importante observar, como está a situação no terreno. Se você puder fazer um sobrevoo para a gente, acho que é importante para entendermos o que está se passando na Ucrânia.

[Augusto Teixeira] Com certeza Filipe. A primeira coisa que a gente tem que ter em mente quando falamos sobre estudos estratégicos, geopolítica e a guerra na Ucrânia, é que ela é um banho de água fria em boa parte da literatura sobre novas guerras, guerras híbridas, etc., como falamos no episódio anterior. Isso porque, a guerra na Ucrânia demonstra a viabilidade de uma guerra convencional de alta intensidade, onde elementos clássicos como massa, pessoal e logística fazem uma diferença enorme na guerra. Muito do paradigma tecno-produtivo que baseou os planejamentos da OTAN e dos Estados Unidos no contexto pós-Guerra Fria, como a indústria Just-in-Time, ou seja, produção de equipamentos de precisão em quantidade básica para aplicação da força e obtenção de efeito estratégico, está sendo desafiado. Esta guerra está demonstrando o caráter da chamada guerra trinitária, como falava Clausewitz. Ela [a guerra] traz a dimensão do Governo, do Estado, da política, a dimensão militar com as forças armadas, o elemento em armas e o povo. Ela traz o elemento das paixões, mostrando a complexidade da guerra, não apenas na compreensão dos seus resultados até o momento, mas também a sua manutenção e resiliência ao longo do tempo. É uma guerra que já dura mais de dois anos no ambiente europeu, com efeitos não apenas na geopolítica, mas na geoeconomia, sistemas de alinhamento, mudanças em cadeias produtivas e sistemas de comércio, em particular na parte agrícola, na produção de grãos de uma forma muito intensa, como não se via há muito tempo.

Somado ao fato que muita gente acaba por fazer vista grossa de que voltamos a um contexto de ameaça nuclear, não apenas uma ameaça nuclear como se pensava da Coreia do Norte, ou seja, um louco ameaçando explodir a bomba. Não, mas uma ameaça nuclear calcada em uma estratégia, uma doutrina de controle de escalada, numa concepção do emprego de armas nucleares táticas. Então, todo esse panorama mostra que aquele fenômeno bélico muito característico do século XIX e XX, em que a guerra era percebida claramente como instrumento da política, não foi embora. Isso está aqui. A ilusão da Guerra não cinética, da possibilidade de produção do efeito estratégico sem uso da força ou apenas como discurso, compõe parte do arsenal de possibilidades, mas geografia, força, população, etc., são variáveis muito importantes. Para quem está nos escutando agora, da última vez que falamos, lá em outubro, estávamos ainda no contexto da contraofensiva ucraniana de 2023. A Ucrânia tinha montado cerca de oito, nove brigadas padrão OTAN, com equipamento OTAN, com treinamento e doutrina OTAN, sem o apoio do chamado componente aéreo, uma força tarefa sem meios aéreos, essencialmente contribuindo com as operações conjuntas.

O que se viu é que ela esbarrou em um muro de aço, ferro e fogo, a chamada linha Surovikin, em toda aquela região do Donbass, que absorveu as ondas de tentativa de penetração e exploração do êxito das forças ucranianas. Isso levou ao fracasso da contraofensiva, pois a Ucrânia conseguiu reaver parcelas de território muito pequenas, inexpressivas quando comparado ao dispêndio de meios e homens. Entre outubro e dezembro, o que se viu no plano tático, foi a perda do momentum por parte da Ucrânia, no nível operacional, houve uma resiliência da Rússia na capacidade defensiva e o recompletamento de meios e homens em diversas áreas do front, sinalizando que a Rússia poderia fazer uma ofensiva própria em 2023 ou 2024.

Por sua vez, havia uma pressão cada vez maior por parte da condução política da guerra, particularmente nos Estados Unidos, devido à proximidade das eleições americanas. Isto porque a guerra russo-ucraniana começava a sofrer da chamada War Fatigue. O público do chamado Ocidente Coletivo começava a se cansar de uma guerra longa, de um apoio indefinido em termos de meios, recursos, dinheiro, etc para a causa ucraniana.

E com isso, obviamente causando desgaste em diversas democracias ocidentais, inclusive nos Estados Unidos. A questão ucraniana será capturada no debate entre Biden e Trump sobre como “resolver” a questão da guerra numa perspectiva política. Tudo isso configurou o ano de 2023 como um período bastante complicado para a Ucrânia, na perspectiva de conseguir produzir o resultado político da guerra, que é, em sua teoria da vitória até então, a expulsão da Rússia do seu território, entendido isto como objetivo último na conquista da sua soberania territorial e política.

Em 2024, o que começamos a observar é a Ucrânia perdendo o momentum, perdendo sua capacidade de ação ofensiva no nível estratégico, mas inovando em termos tecnológicos e táticos com a utilização de drones, não apenas aéreos, mas também navais. A Ucrânia demonstrou uma capacidade muito interessante, algo que talvez não se visse em termos de inovação desde a Segunda Guerra Mundial: um país virtualmente sem marinha conseguir afundar navios de guerra de uma marinha muito mais forte, como a robusta marinha russa, usando drones navais. Isso foi muito interessante, inclusive uma das lições apreendidas da guerra russo-ucraniana.

Somado a isso, a Ucrânia tenta ampliar o teatro de operações para trazer porções do território russo em profundidade como áreas passíveis de serem atingidas por ataques ucranianos, não necessariamente com armas providas do Ocidente, mas com drones de fabricação ucraniana. Alguns desses drones são muito criativos, como, por exemplo, a utilização de aviões bimotores transformados em drones cheios de bombas, que conseguem penetrar a bolha de antiacesso e negação de área [A2/AD]da Rússia, voando baixo, com baixa assinatura de radar, e conseguindo efeitos cinéticos interessantes dentro da Rússia.

Qual é o problema, Filipe? Qual é o problema para quem nos escuta? O uso da força só tem sentido se ele consegue produzir um efeito que seja utilizado para os fins do objetivo militar e político da guerra, ou seja, se ele consegue conectar os efeitos das batalhas aos fins da estratégia e da guerra. Isto a Ucrânia não conseguiu fazer até o momento, porque esses ataques que ela tenta fazer de caráter esporádico dentro da Rússia não fazem com que a população se revolte contra Putin ou contra o governo, não reduzem a capacidade operativa e produtiva da Rússia e, por sua vez, não reduzem a capacidade combatente das forças russas. Não obstante, tentam sinalizar para a opinião pública global que a Ucrânia ainda tem uma boa capacidade de atacar a Rússia em profundidade, mas isso não produz um efeito estratégico desejado.

Então, onde é que nós estamos? O que acontece até o momento? Bem, tivemos a chamada linha Surovikin, um sistema defensivo gigantesco e a guerra parecia estar basicamente situada apenas na região do Donbass.Aí temos o evento disruptivo que foi o motim do Wagner Group, após a Batalha de Bakhmut, uma das batalhas mais longas da guerra. Importante numa perspectiva político-simbólica, mas também estratégica, pelo desgaste de meios durante a guerra. E por que disruptivo? Porque aquilo que o Prigozhinfaz, tentando jogar luz de uma forma muito negativa para o estabelecimento militar russo, em particular Shoigu e Gerasimov, vai culminar em uma quase tentativa de golpe. Suas forças paramilitares, mercenárias, vão entrar no território russo, tentar tomar algumas bases e serão paradas ali em uma negociação dentro da Rússia. Algo assim era impensável no padrão daquilo que se viu de disputa militar interna no contexto da dissolução da União Soviética.

Isso levou a que diversos espectadores internacionais acreditassem que o regime russo, naquele momento, poderia cair, dando vazão à teoria da vitória de que o regime da Rússia vai cair por si próprio, através do próprio desgaste da guerra e pelas disputas intestinas das suas elites e oligarquias. O que não aconteceu. E, ao não acontecer, você tem um recrudescimento do controle da máquina militar por parte da sua elite, em particular do campo político-estratégico, e uma reorganização daqueles que eram líderes e de confiança de Putin. Isso contribui para uma recomposição de como a guerra se processa em 2024.

[Filipe] A linha Surovikin, me parece, é como um leigo, uma trincheira tradicional. Ela se instala ali, euu não sei qual é a dimensão disso, mas imagino que tenha cerca de 1000 km.

[Augusto] Exatamente. E esse é um problema se você pensar que 1000 km dentro do Brasil é muito chão; 1000 km no padrão europeu é chão para caramba. Então essa linha Surovikin vai mais ou menos da região do Donbass, ao norte, até a chamada ponte terrestre da Crimeia. Ela faz quase um “L” numa perspectiva de criar um sistema de cadeias defensivas. Não é apenas uma trincheira; ela tem diversos sistemas de trincheiras com níveis de profundidade distintos, somados a campos minados, killzones com áreas nominadas para que a infantaria, dentro de veículos de transporte de pessoal e combate, passe por essas zonas, somados também a peças de artilharia móveis e de tubo que estão na retaguarda desse sistema de trincheiras, somados também a drones e helicópteros, especialmente o [Ka-52] “Alligator”. Isso causou muitos danos às tentativas de ruptura dessas linhas por parte da Ucrânia.

Na contraofensiva ucraniana, até onde li, conseguiram romper até a segunda linha ao sul, mas não conseguiram explorar esse êxitoe perderam parte do território reconquistado até então. É um sistema amplo, de múltiplas camadas, que cria uma impossibilidade de mobilidade para os seus antagonistas.

Para quem está nos escutando entender como isso é importante, [Valerii] Zaluzhny, que era o comandante em chefe das Forças Armadas ucranianas até meados do ano passado, escreveu um artigo na The Economist. Esse texto é importantíssimo porque é uma das primeiras avaliações profundas sobre a guerra, em que ele chama a atenção para que, no momento da guerra, ali em dezembro, havia um contexto de impasse, onde ele tentava discutir como impedir que a guerra se estruturasse numa condição de impasse e voltasse para uma dinâmica de mobilidade. Ele traz um conjunto de sugestões sobre o que a Ucrânia deveria fazer para romper isso. Claro, tentando fazer uma avaliação do que a Ucrânia estava colocando e meio que com uma lista de pedidos de ajuda para o Ocidente. É uma configuração muito complexa que não se via desde o contexto, por exemplo, da Batalha de Kursk na Segunda Guerra Mundial. Isso se viu agora na Ucrânia, em pleno século XXI.

[Filipe] Outra coisa que eu ia te perguntar, baseado nisso, tem a ver com a reação ucraniana. Porque, se eu entendi bem o que você falou, a Ucrânia, nas suas reações e contraofensivas, não consegue atingir o seu objetivo estratégico. Ou seja, não tem ganhos substanciais do ponto de vista do avanço das suas tropas em direção ao atual terreno ocupado pelos russos. Mas tem ganhos pontuais, não é? Você até menciona que há uma ampliação do teatro de operações por meio de engenhocas criadas de maneira bastante inteligente pelo exército ucraniano. Mas, então, se eu entendi bem, o que a Ucrânia ganha com isso? Além de passar a imagem de que ainda está viva, que ainda tem alguma capacidade, parece que ela tenta ganhar tempo, não é? Porque, se eu entendi bem, essa barreira de chumbo e aço que os russos colocaram, desde toda a extensão do Donbass até a Crimeia, basicamente selou o destino dessa região, a não ser que algo muito diferente aconteça. Então, a Ucrânia, enfim, o que ela consegue é só ganhar tempo? Faz sentido isso?

[Augusto] Faz sentido sim.im. Para quem está escutando a gente, é importante comparar dois momentos. A Ucrânia tinha conseguido fazer uma contraofensiva de muito sucesso no primeiro ano da guerra, que foi na região onde agora a coisa está quente, aquela região ali de Kharkiv, no nordeste da Ucrânia. Então, se a gente lembra, no comecinho da guerra, ela consegue dois êxitos interessantes. O primeiro foi conseguir fazer a defesa de Kiev, ou seja, ela consegue paralisar o avanço das forças russas. Se a gente parar para considerar, o VDV, as forças aerotransportadas russas, conseguiram chegar ali no aeroporto [de Hostomel], pertinho de Kiev, permitindo ter uma cabeça de ponte importante ali com desembarque, etc. E isso os ucranianos conseguiram segurar. Mas o primeiro grande êxito ucraniano vai ser essa contraofensiva em Kharkiv, onde eles vão conseguir ter o efeito surpresa e retomar muito território, liberando a segunda maior cidade ucraniana.

Só que você tem um detalhe importante, na verdade, dois detalhes. O primeiro é que a própria liderança militar russa, na época, já tinha designado que a primeira fase da guerra tinha acabado e tinha colocado como elemento de centralidade o Donbass. Então, meio que o objetivo operacional russo tinha mudado naquele contexto. A linha defensiva naquela região de Kharkiv era uma linha muito fina, que a Ucrânia conseguiu romper, fazer a exploração do eixo e consolidar os ganhos de terreno.

O segundo aspecto é que ela conseguiu o efeito surpresa, que foi algo muito difícil de ter nessa guerra, por termos aí o fenômeno do chamado campo de batalha transparente. Ou seja, é virtualmente impossível fazer qualquer coisa na Ucrânia sem ser visto por drones, sistemas satelitais ou elementos de produção de inteligência com outras fontes, como de sinais, etc.

Quando pegamos esse segundo momento na contraofensiva ucraniana de 2023, esperava-se que a Ucrânia teria um êxito muito grande. Porque os caras conseguiram montar brigadas modelo OTAN, com gente treinada em países da OTAN, com equipamento moderno. Claro, com algumas brigadas e equipamentos do modelo soviético ainda, mas altamente motivadas, etc. E, quando a coisa acontece, como você bem colocou, eles chocaram contra uma parede de fogo e aço, e a coisa não caminhou. E, assim, existia um conjunto de expectativas muito positivas, em particular na opinião pública internacional, de que ela poderia ter êxito. Mas especialistas chamavam a atenção para a ausência do componente aéreo, que é um elemento importantíssimo na doutrina OTAN, que a Ucrânia não tinha, e os riscos que ela corria ao fazer ofensiva do jeito que fez.Não é à toa, Filipe, que começa essa contraofensiva lá em junho, mais ou menos, ela começa com os Probing Attacks, etc., e a ofensiva ganha fôlego e vai até meados de outubro, novembro, etc.

O desgaste foi muito grande, e isso vai levar a Ucrânia a um contexto de tentar se defender e recompor meios e pessoal para se segurar em[20]24 e, talvez, voltar a uma contraofensiva de larga escala em [20]25. Aí, a gente tem uma janela de oportunidades absurda para a Rússia, que reorganizou a casa. Por exemplo, eles absorveram o impacto da contraofensiva ucraniana e apresentaram uma curva de aprendizado muito interessante. Muito criticada a doutrina russa como antiquada, mas eles mostraram uma capacidade rápida de aprendizado, não apenas no nível tático, mas também tecnológico.

Cada inovação interessante que a Ucrânia trazia, os russos incorporaram em massa. Um exemplo é o uso dos drones FPV (First Person View). A Ucrânia começou a usá-los de forma interessante e a Rússia está usando em uma proporção gigantesca. A Ucrânia começou a utilizar loitering munition, munição vagante, a Rússia está usando muito o Lancet, por exemplo. Isso mostra a capacidade de inovação e produção em massa da Rússia.

Uma coisa que ajuda a entender essa concepção de uma guerra longa, que o establishment político russo aceita como dado, é a mudança do ministro da Defesa da Rússia. Colocaram um economista, que tem uma trajetória no aparato de estado no campo da economia e um diálogo frutífero com a indústria de defesa russa. Ele vai para o MD [Ministério da Defesa] com a finalidade de arrumar a casa, particularmente na interlocução entre as demandas operacionais, de equipamento e logística da Defesa com a indústria. Nesse sentido, a sinalização que a Rússia dá é que está se preparando para uma guerra longa, sinalizando que estão segurando o impacto brutal na economia russa. Oficialmente, a Rússia não está em guerra, mas tem uma economia militarizada. Isso é extremamente grave quando olhamos pela perspectiva da Ucrânia.

Em relação à sua pergunta, a Ucrânia, ao manter-se como na ação e buscar êxitos, tenta, se não produzir um efeito estratégico voltado às suas condições de combate, obter efeitos no campo psicossocial, político e internacional. Muito daquilo que ela depende para lutar, como meios, sistemas de armas e plataformas mais avançadas, vem de fora. Por um lado, isso é ruim porque retira da Ucrânia a capacidade de produção em massa e a rápida disponibilidade desses meios. Mas é bom porque cria um centro de gravidade que a Rússia não pode atacar, pois está fora da Ucrânia. Há notícias, ainda não confirmadas, de que algumas indústrias ou fábricas que produzem equipamento bélico para a Ucrânia na Alemanha pegaram fogo misteriosamente. Em um contexto de guerra, ações encobertas [black ops] e sabotagem em países aliados podem ocorrer para degradar o esforço de guerra aliado em relação à Ucrânia.

O esforço da Ucrânia hoje é muito no campo político, para convencer o Ocidente Coletivo de que ela ainda tem chance, apesar de estar numa condição política degradada: 1) pela War Fatigue do ano passado, 2) o fracasso da contraofensiva, 3) a guerra em Gaza que tirou muita da atenção e do holofote que a guerra da Ucrânia tinha. O que de certa forma é ruim para as condições de apoio externo à Ucrânia. Isso tudo sem mencionar as eleições nos Estados Unidos e a demora de quase seis meses para assinar um pacote de ajuda que não será suficiente para recompor as capacidades militares ucranianas no curto prazo. De fato, a palavra chave aqui é tempo. A Ucrânia precisa ganhar tempo, que é uma variável fundamental na guerra.

[Filipe] Augusto, deixa eu te perguntar, tentando colocar de uma maneira mais gráfica: o Donbass está claro, está sob controle do exército russo. A linha Surovikin organizou a presença russa naquela região. Luhansk também está sob controle. Pelo que entendi, o foco agora, o cenário mais quente, está mais ao norte, em Kharkiv, onde os russos avançaram. Pelo que vi na imprensa, eles conseguiram, sem muita resistência, ocupar boa parte da região. Não sei se têm intenção de entrar na cidade, mas é ali que está o foco da imprensa. A maior parte da atenção está concentrada ali. Mas, ao sul, na Crimeia, você tem alguns ataques via drones. Mas não há nenhuma possibilidade de algo acontecer ali a curto ou médio prazo. Transformando isso numa pergunta, qual a importância estratégica de Kharkiv para a estratégia russa? E daí, uma vez controlada essa região, para onde a Rússia vai? Tá bom, até ali, eu já ouvi alguns comentaristas falando que tem também a possibilidade de abrir uma frente mais ao norte, via Bielorrússia, para poder, talvez, estrangular ali do ponto de vista logístico. Enfim, como você organiza para o ouvinte a situação?

[Augusto] Bem, Filipe, existem alguns problemas aqui que nos ajudam a compreender o drama tanto para a Rússia quanto para a Ucrânia. Como mencionado na segunda fase da guerra na perspectiva russa, o Donbass era prioritário para eles. No entanto, até agora, toda a região do Donbass, Donetsk e Luhansk, não está sob controle total da Rússia; ainda há uma parte sob controle ucraniano. Isso levanta questões interessantes. Por exemplo, após a batalha de Barkmut, uma batalha crucial em andamento agora é Chasiv Yar, que é uma cidade relevante, pois fica em posição elevada e se a Rússia conseguir capturá-la completamente, como parece provável, terá sob o alcance de sua artilharia e visualização um conjunto de cidades e modais rodoviários importantes para um avanço para tentar controlar toda a região do Donbass.

Para entender a centralidade do Donbass, é crucial considerar cidades como o eixo Slaviansk e Kramatorsk, e ao norte Kupiansk, cidades importantíssimas para tentar quebrar o controle que a Ucrânia ainda exerce na sua chamada estratégia de “cidades-fortalezas”. Onde se têm linhas defensivas ucranianas que não foram feitas em [20]22, são linhas defensivas, várias da quais, já organizadas em [20]14, durante o contexto da guerra civil ucraniana, em que o Donbass era o centro de gravidade do conflito. A Rússia vê com interesse estratégico a conquista dessas cidades, o controle completo da região do Donbass, em particular daquilo que ainda está sob controle da Ucrânia..

Aí temos a questão sobre o Nordeste da Ucrânia ou uma potencial nova frente ao Norte. A Rússia tem interesse em controlar Kharkiv ou não? Ela tem condições de controlar Kharkiv? De chegar em Kharkiv? Essas são questões importantes, pois o que a Rússia pode estar fazendo podem ser na verdade duas coisas. A Rússia pode estar iniciando uma frente no Nordeste, tentando forçar a Ucrânia a estender ainda mais as suas linhas de defesa, fazendo a Ucrânia redistribuir meios e homens – de boas unidades que estão concentradas no Donbass levando-as ao Nordeste para tentar segurar o avanço russo. Em geral não se fortifica a fronteira, mas uma linha antes da fronteira para que se tenha tempo para absorver uma potencial incursão. A Ucrânia está tendo dificuldade em fazer esses movimentos, inclusive a Rússia está conseguindo avançar na cidade de Vovchansk, o que pode permitir com que ela se projete para outra cidade importante naquela região, Kupiansk Quando se olha para esse cenário, o que a Rússia pode estar tentando fazer é uma manobra diversionista, levando a Ucrânia estender as suas linhas, reorganizando seus meios e tropas, facilitando assim uma possível ruptura na frente do Donbass. Além disso, a Rússia pode estar considerando estender esse esforço abrindo outra frente através da Bielorrússia, embora isso exija um grande esforço logístico de concentração de meios, homens e de sustentação do esforço. Isso não pode ser feito sem chamar a atenção, com surpresa.

A ambiguidade das intenções russas torna a situação ainda mais complexa. É difícil determinar se a Rússia busca aproveitar a incursão ao Norte para circundar as cidades fortificadas por trás [retaguarda] ou se tem como alvo a tomada direta da segunda maior cidade ucraniana, algo que julgo – no momento – não ser o caso. No começo da guerra a estratégia russa até agora envolveu mais cercos do que conquistas diretas, mas sua ambiguidade coloca o Estado-Maior ucraniano em uma posição delicada, dada a escassez de recursos humanos. A evasão e fuga de potenciais soldados só exacerbam esse problema.

Mas para a Ucrânia esta não é uma guerra total, em que a sobrevivência do estado está em jogo? Então porque a Ucrânia não faz uma mobilização nacional completa, como na segunda guerra mundial feita pela URSS? Porque a Ucrânia enfrenta dificuldades para armar e alimentar uma mobilização total, ao contrário de sistemas como o israelense e o finlandês. É crucial considerar isso, como Israel reage rapidamente ao 07 de outubro [2023], mobilizando suas divisões e partindo para o contraofensiva? Claro, apesar da distância territorial pequena, eles tem um sistema de mobilização eficaz que contribuem para essa agilidade. A Finlândia tem um sistema semelhante. No entanto, a Ucrânia não possui recursos semelhantes, devido ao alto custo e complexidade envolvidos. Portanto, é fundamental compreender que a decisão de guerra é influenciada pela política. As ações políticas de líderes como Zelenski e Biden são tão ou mais significativas que os eventos no campo de batalha, pois a guerra é, essencialmente, uma forma de fazer política através da gramática da violência.

[Filipe] Eu ia te perguntar justamente sobre isso. Você tocou agora no ponto do pessoal, do envelhecimento das tropas ucranianas, que é um sintoma de um certo esgarçamento da capacidade de manutenção de tropas. Há relatos de fugas de possíveis combatentes, sem mencionar os refugiados, os civis mortos e até os militares mortos. Enfim, é uma crise sem precedentes, sem sombra de dúvida a maior crise desde a Segunda Guerra Mundial no continente europeu.

Você também mencionou de passagem o impacto que isso tem na questão dos alimentos, na produção de grãos, na crise energética e uma reação importante que foi a ampliação da OTAN durante a guerra. Acho que isso também é um capítulo importante dessa história. Mas deixe-me focar na capacidade humana. Como você tem visto isso? Há algum tipo de número de baixas, número de refugiados, deslocamentos? Você tem algum dado nesse sentido ou não?

[Augusto] Os números durante o conflito são controversos, mas estima-se que no começo da guerra cerca de um quarto da população ucraniana tenha fugido do país. Os avanços rápidos das forças russas provocaram um êxodo populacional significativo, deixando cidades desertas na região de Donbass. Em Kharkiv agora, por exemplo, as imagens que temos são de forças policiais evacuando a população. É um conflito de alta intensidade, a artilharia, fogo indireto, é usada em grande volume e ele não discrimina alvos civis ou militares. Esse é um dado relevante que vai afetar ao menos duas coisas. Primeiro, isso afeta diretamente a capacidade de combate com uma perda de potenciais combatentes, e segundo, a perda da capacidade produtiva do país. No que concerne às baixas, é extremamente complicada de determinar em meio ao conflito em curso, mas é importante reconhecer que as baixas são extremamente elevadas para ambos os lados. A Rússia, por exemplo, opera com um sistema misto, combinando serviço militar obrigatório e pessoal contratado. Muitas pessoas que inicialmente não estavam envolvidas estão agora sendo engajadas, atraídas por contratos com pagamentos bastante elevados. Este fator financeiro está tornando a participação mais atrativa para muitos, além da atuação do grupo Wagner e outras empresas que operam na região. O grupo Wagner, inclusive, faz recrutamento em presídios, o que remete à ideia de avanços em massa por “batalhões penais”, similar ao modelo usado na Segunda Guerra Mundial. Este tipo de ação tática resulta em elevada letalidade para o lado de quem ataca, inclusive.

Contudo, temos um problema: não possuímos dados precisos. Enquanto a Ucrânia e institutos de pesquisa ocidentais fornecem números sobre as baixas russas, a Ucrânia não divulga suas próprias perdas. Lembro de uma notícia sobre uma companhia telefônica ucraniana que desativou cerca de 300.000 linhas, o que poderia indicar que essas pessoas não estão mais lá, possivelmente mortas. Mas, no geral, há duas coisas certas: há um elevado número de mortos e feridos dos dois lados e, possivelmente, proporcionalmente, a Rússia tem mais baixas que a Ucrânia. No entanto, a capacidade da Rússia de absorver suas baixas é muito maior que a da Ucrânia, pois a Rússia possui uma população cerca de três vezes maior.

A Rússia está inscrevendo soldados das zonas mais afastadas do território russo para o combate. Quando você observa o fenótipo desses soldados, percebe que muitos deles possuem características fenotípicas típicas de russos asiáticos, entre outros. Estes soldados vêm do interior do país, enquanto as populações das grandes cidades como Moscou e São Petersburgo não estão sendo tão afetadas. Essa estratégia reduz a pressão política sobre o Kremlin, já que menos caixões voltam para essas regiões mais influentes.

Outro aspecto importante é a situação da Ucrânia. O país também tentou preservar sua população mais jovem, vital para o futuro da nação. No entanto, no momento, a Ucrânia não está conseguindo manter essa preservação. Isso afeta a capacidade combatente da Ucrânia, especialmente no que diz respeito ao recompletamento de unidades e batalhões, etc. Quando soldados morrem ou ficam feridos, é necessário substituí-los, o que gera problemas na rotação das tropas.

Imagine um soldado em uma trincheira durante o inverno ucraniano, sofrendo bombardeios constantes. Quanto tempo ele consegue permanecer em uma situação dessas? Ele precisa ser retirado para descansar, ser tratado e treinado novamente antes de voltar ao combate. Isso é um problema sério para a rotação das tropas. Com menos pessoal disponível, a rotação fica comprometida, o que reduz a eficácia militar e a capacidade de combate, mesmo quando a soberania e a integridade territorial do país estão em jogo.Todos esses fatores são mediados pelo tempo e pela dinâmica política, o que influencia a perspectiva de longo prazo do conflito.

[Intervenção musical]

[Augusto] Uma pergunta relevante é a desmistificação da ideia de que armas ganham guerras. Desde o início da guerra na Ucrânia, temos ouvido afirmações de que armas anticarro, aviões de combate F-16, mísseis terra-terra, entre outros, ganhariam a guerra. No entanto, isso tem se mostrado extremamente falacioso. O que temos visto é que, por mais importantes que sejam, os sistemas de armas são contributos importantes para a gramática da guerra e para a produção de diferentes estratégias. Mas sem uma estratégia, uma teoria da vitória ou uma boa conexão entre as vertentes que fazem a guerra – como o povo, a dimensão política e as forças militares – dificilmente se alcançam os objetivos políticos desejados.

Filipe, existe um problema que precisamos colocar na mesa: hoje, após mais de dois anos de guerra, qual é a teoria da vitória da Ucrânia? O que significa vencer a Rússia? Para a Rússia, o que é vencer? É tomar o Donbass? Avançar até os oblasts a leste do rio Dnipro, por exemplo? Não sabemos, até porque a própria dinâmica da guerra, como fenômeno político, permite que os objetivos sejam alterados ao longo da ação bélica. Isso tudo mostra a complexidade do fenômeno que abala as relações internacionais e nos afeta aqui no Brasil.

Nós, que estudamos Relações Internacionais e Ciência Política durante todo esse tempo, devemos refletir sobre como isso nos preparou para entender um cenário como este. Fomos educados para compreender a guerra, no máximo, como a ação contra terroristas ou contra insurgências, e agora enfrentamos uma guerra de alta intensidade na Europa, durante mais de dois anos, com a ameaça nuclear e a segunda ou terceira maior potência militar do mundo envolvida em um conflito posicional no contexto europeu. O país que está no campo assimétrico tem uma aliança ocidental sustentando-o para que não caia [a Ucrânia]. É um cenário extremamente perturbador no campo das relações internacionais, mas por outro lado, extremamente estimulante para nós, enquanto Brasil e enquanto Sul Global, pensarmos nas lições que podemos tirar disso para nossa defesa, para nossa concepção estratégica e para como o Brasil vê a possibilidade da guerra no futuro e reagir a ela, não apenas no campo diplomático, mas também em relação às suas forças.

Eu acho que a guerra na Ucrânia, enquanto um evento e um drama humanitário, e uma conjuntura crítica na política, é também um chamado de atenção para países como o Brasil acordarem para a ideia de que o fenômeno da guerra é algo que bate à porta de vez em quando na história, e é bom que estejamos preparados para isso. Nesse sentido, a guerra na Ucrânia é muito mais do que um fenômeno apenas europeu; é um fenômeno de caráter e repercussão global do qual deveríamos, ou devemos, aprender, para além, obviamente, das ações militares.

[Filipe] Então, fica aqui o compromisso no ar de que você vai voltar para discutirmos, aí sim, a doutrina de defesa no Brasil. A pergunta que eu queria fazer para encerrar: todo mundo sabe que, além de ser um estudioso das relações internacionais e das guerras convencionais, você também é guitarrista. O que você achou do Blinken tocando guitarra em Kiev?

[Augusto] Eu diria que ele toca melhor do que ele conduz a política externa dos Estados Unidos. Acho que ele errou de carreira; ele tem mais feeling para a música, apesar do Neil Young não concordar com muitas das ações que ele está tomando como secretário de Estado. Mas isso mostra a relevância de alguma veia artística nesses atores internacionais. Por exemplo, nosso austero Ministro da Fazenda é um bom guitarrista, o Haddad, então, de certa forma, isso mostra que a música e a guitarra, as seis cordas humanizam vários desses atores, trazendo algo do tipo “é o que se salva naquele ser!”.

[Filipe] Valeu, Augusto, muito bom falar com você, cara.

[Intervenção musical]

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Conversamos com o pesquisador Augusto Teixeira (UFPB) sobre os últimos desdobramentos da guerra da Ucrânia.

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Comentários, críticas, sugestões, indicações ou dúvidas existenciais, escreva pra gente em perguntas@chutandoaescada.com.br

Participaram deste podcast:

Filipe Mendonça – @filipeamendonca
Augusto Teixeira – @augustotjr

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Citados no episódio:

Trilha sonora:

Capa do episódio:

Foto: The Devastation of Kharkiv, Ukraine | The New Yorker

Transcrição do episódio 344 – Guerra na Ucrânia: De Bakhmut a Kharkiv, com Augusto Teixeira

[Filipe Mendonça] Seja bem-vindo e seja bem-vinda ao Chutando a Escada! Eu sou Felipe Mendonça e hoje recebemos aqui o professor da Universidade Federal da Paraíba, Augusto Teixeira Júnior. Ele já esteve aqui no Chutando a Escada e agora volta para dar sequência ao debate sobre o que acontece na Ucrânia.

Ele nos fala um pouco sobre os últimos acontecimentos no teatro de operações. Também conta sobre as intenções russas na ofensiva na região de Kiev, discute as capacidades do exército ucraniano de reagir e persistir na guerra, e explica a lógica de guerra posicional e a ideia de mobilidade nas ofensivas da Rússia. Vale muito a pena ouvir o Augusto Teixeira, que já esteve aqui como mencionei.

Se você quiser aprofundar ainda mais o debate, recomendo que escute o episódio 326. Está tudo na descrição do episódio, bem mastigado para você.

Se puder apoiar o Chutando a Escada, é muito simples. Basta entrar em www.chutandoaescada.com.br/apoio. Lá você encontrará várias formas de ajudar esse projeto de divulgação científica a permanecer no ar. Se puder também, dê cinco estrelinhas no seu agregador favorito e mande uma mensagem. Muita gente mandou mensagem esta semana, e eu agradeço demais. Você pode fazer isso pelo nosso e-mail, que é perguntas@chutandoaescada.com.br, ou pelo seu agregador favorito.

Vamos para o papo então! Com vocês, Augusto Teixeira Júnior, que fala sobre a guerra posicional, o retorno da mobilidade e as novas ofensivas da Rússia na Ucrânia.

[Vinheta de abertura]

[Filipe] Bom, eu estou aqui com Augusto Teixeira, que volta ao “Chutando a Escada”. Ele já esteve aqui no ano passado, em outubro de 2023, logo após o ataque do Hamas a Israel, bem no começo do conflito em Gaza. Naquela ocasião, conversamos um pouco sobre isso, mas o foco daquela conversa foi a Ucrânia. O episódio foi chamado “Ucrânia: Tecnologia, Estratégia e Política”. Agora, o Augusto volta para continuar falando sobre a Ucrânia. Augusto, obrigado por topar falar comigo, é sempre uma alegria enorme falar com você.

[Augusto Teixeira] Muito bom Filipe, muito obrigado pelo convite. É um prazer enorme não apenas falar contigo, mas também ter contato com a audiência grande e qualificada do “Chutando a Escada”. É um privilégio poder conversar com vocês.

[Filipe] Valeu! Se você não ouviu o episódio de outubro com o Augusto, acho que vale a pena. Vou deixar o link na descrição do episódio. Augusto, só para retomar um pouco, você enquadra o conflito na Ucrânia como um conflito clássico [guerra convencional], fazendo uma defesa dos [teóricos] clássicos. Você mencionou que parte da literatura mais contemporânea tinha decretado o fim da Geografia na guerra e de outras dimensões clássicas. E aí vem a Ucrânia e coloca novamente os clássicos na mesa, sem minimizar a importância dos novos tipos de guerra, mas destacando novamente a geografia, o terreno, o relevo, a resiliência da população civil, e a dimensão moral e psicológica da guerra como elementos centrais para entender o que está acontecendo na Ucrânia.

De lá para cá, a guerra continuou. Tivemos eleição na Rússia e Putin saiu disso legitimado. O Zelensky continua por aí; era para ter tido eleição na Ucrânia, mas Zelensky não convocou eleições, o que é até compreensível. Como realizar uma eleição numa situação como essa? Isso gera aquele curto-circuito da democracia, com o líder defendendo a luta pela democracia, mas sem convocar eleições, argumentando que não há como fazê-lo devido à situação no país. Enfim, todo esse cenário traz pressão nos Estados Unidos e na OTAN. Então, te trouxe aqui para nos ajudar a entender o que aconteceu de lá para cá, o que é importante observar, como está a situação no terreno. Se você puder fazer um sobrevoo para a gente, acho que é importante para entendermos o que está se passando na Ucrânia.

[Augusto Teixeira] Com certeza Filipe. A primeira coisa que a gente tem que ter em mente quando falamos sobre estudos estratégicos, geopolítica e a guerra na Ucrânia, é que ela é um banho de água fria em boa parte da literatura sobre novas guerras, guerras híbridas, etc., como falamos no episódio anterior. Isso porque, a guerra na Ucrânia demonstra a viabilidade de uma guerra convencional de alta intensidade, onde elementos clássicos como massa, pessoal e logística fazem uma diferença enorme na guerra. Muito do paradigma tecno-produtivo que baseou os planejamentos da OTAN e dos Estados Unidos no contexto pós-Guerra Fria, como a indústria Just-in-Time, ou seja, produção de equipamentos de precisão em quantidade básica para aplicação da força e obtenção de efeito estratégico, está sendo desafiado. Esta guerra está demonstrando o caráter da chamada guerra trinitária, como falava Clausewitz. Ela [a guerra] traz a dimensão do Governo, do Estado, da política, a dimensão militar com as forças armadas, o elemento em armas e o povo. Ela traz o elemento das paixões, mostrando a complexidade da guerra, não apenas na compreensão dos seus resultados até o momento, mas também a sua manutenção e resiliência ao longo do tempo. É uma guerra que já dura mais de dois anos no ambiente europeu, com efeitos não apenas na geopolítica, mas na geoeconomia, sistemas de alinhamento, mudanças em cadeias produtivas e sistemas de comércio, em particular na parte agrícola, na produção de grãos de uma forma muito intensa, como não se via há muito tempo.

Somado ao fato que muita gente acaba por fazer vista grossa de que voltamos a um contexto de ameaça nuclear, não apenas uma ameaça nuclear como se pensava da Coreia do Norte, ou seja, um louco ameaçando explodir a bomba. Não, mas uma ameaça nuclear calcada em uma estratégia, uma doutrina de controle de escalada, numa concepção do emprego de armas nucleares táticas. Então, todo esse panorama mostra que aquele fenômeno bélico muito característico do século XIX e XX, em que a guerra era percebida claramente como instrumento da política, não foi embora. Isso está aqui. A ilusão da Guerra não cinética, da possibilidade de produção do efeito estratégico sem uso da força ou apenas como discurso, compõe parte do arsenal de possibilidades, mas geografia, força, população, etc., são variáveis muito importantes. Para quem está nos escutando agora, da última vez que falamos, lá em outubro, estávamos ainda no contexto da contraofensiva ucraniana de 2023. A Ucrânia tinha montado cerca de oito, nove brigadas padrão OTAN, com equipamento OTAN, com treinamento e doutrina OTAN, sem o apoio do chamado componente aéreo, uma força tarefa sem meios aéreos, essencialmente contribuindo com as operações conjuntas.

O que se viu é que ela esbarrou em um muro de aço, ferro e fogo, a chamada linha Surovikin, em toda aquela região do Donbass, que absorveu as ondas de tentativa de penetração e exploração do êxito das forças ucranianas. Isso levou ao fracasso da contraofensiva, pois a Ucrânia conseguiu reaver parcelas de território muito pequenas, inexpressivas quando comparado ao dispêndio de meios e homens. Entre outubro e dezembro, o que se viu no plano tático, foi a perda do momentum por parte da Ucrânia, no nível operacional, houve uma resiliência da Rússia na capacidade defensiva e o recompletamento de meios e homens em diversas áreas do front, sinalizando que a Rússia poderia fazer uma ofensiva própria em 2023 ou 2024.

Por sua vez, havia uma pressão cada vez maior por parte da condução política da guerra, particularmente nos Estados Unidos, devido à proximidade das eleições americanas. Isto porque a guerra russo-ucraniana começava a sofrer da chamada War Fatigue. O público do chamado Ocidente Coletivo começava a se cansar de uma guerra longa, de um apoio indefinido em termos de meios, recursos, dinheiro, etc para a causa ucraniana.

E com isso, obviamente causando desgaste em diversas democracias ocidentais, inclusive nos Estados Unidos. A questão ucraniana será capturada no debate entre Biden e Trump sobre como “resolver” a questão da guerra numa perspectiva política. Tudo isso configurou o ano de 2023 como um período bastante complicado para a Ucrânia, na perspectiva de conseguir produzir o resultado político da guerra, que é, em sua teoria da vitória até então, a expulsão da Rússia do seu território, entendido isto como objetivo último na conquista da sua soberania territorial e política.

Em 2024, o que começamos a observar é a Ucrânia perdendo o momentum, perdendo sua capacidade de ação ofensiva no nível estratégico, mas inovando em termos tecnológicos e táticos com a utilização de drones, não apenas aéreos, mas também navais. A Ucrânia demonstrou uma capacidade muito interessante, algo que talvez não se visse em termos de inovação desde a Segunda Guerra Mundial: um país virtualmente sem marinha conseguir afundar navios de guerra de uma marinha muito mais forte, como a robusta marinha russa, usando drones navais. Isso foi muito interessante, inclusive uma das lições apreendidas da guerra russo-ucraniana.

Somado a isso, a Ucrânia tenta ampliar o teatro de operações para trazer porções do território russo em profundidade como áreas passíveis de serem atingidas por ataques ucranianos, não necessariamente com armas providas do Ocidente, mas com drones de fabricação ucraniana. Alguns desses drones são muito criativos, como, por exemplo, a utilização de aviões bimotores transformados em drones cheios de bombas, que conseguem penetrar a bolha de antiacesso e negação de área [A2/AD]da Rússia, voando baixo, com baixa assinatura de radar, e conseguindo efeitos cinéticos interessantes dentro da Rússia.

Qual é o problema, Filipe? Qual é o problema para quem nos escuta? O uso da força só tem sentido se ele consegue produzir um efeito que seja utilizado para os fins do objetivo militar e político da guerra, ou seja, se ele consegue conectar os efeitos das batalhas aos fins da estratégia e da guerra. Isto a Ucrânia não conseguiu fazer até o momento, porque esses ataques que ela tenta fazer de caráter esporádico dentro da Rússia não fazem com que a população se revolte contra Putin ou contra o governo, não reduzem a capacidade operativa e produtiva da Rússia e, por sua vez, não reduzem a capacidade combatente das forças russas. Não obstante, tentam sinalizar para a opinião pública global que a Ucrânia ainda tem uma boa capacidade de atacar a Rússia em profundidade, mas isso não produz um efeito estratégico desejado.

Então, onde é que nós estamos? O que acontece até o momento? Bem, tivemos a chamada linha Surovikin, um sistema defensivo gigantesco e a guerra parecia estar basicamente situada apenas na região do Donbass.Aí temos o evento disruptivo que foi o motim do Wagner Group, após a Batalha de Bakhmut, uma das batalhas mais longas da guerra. Importante numa perspectiva político-simbólica, mas também estratégica, pelo desgaste de meios durante a guerra. E por que disruptivo? Porque aquilo que o Prigozhinfaz, tentando jogar luz de uma forma muito negativa para o estabelecimento militar russo, em particular Shoigu e Gerasimov, vai culminar em uma quase tentativa de golpe. Suas forças paramilitares, mercenárias, vão entrar no território russo, tentar tomar algumas bases e serão paradas ali em uma negociação dentro da Rússia. Algo assim era impensável no padrão daquilo que se viu de disputa militar interna no contexto da dissolução da União Soviética.

Isso levou a que diversos espectadores internacionais acreditassem que o regime russo, naquele momento, poderia cair, dando vazão à teoria da vitória de que o regime da Rússia vai cair por si próprio, através do próprio desgaste da guerra e pelas disputas intestinas das suas elites e oligarquias. O que não aconteceu. E, ao não acontecer, você tem um recrudescimento do controle da máquina militar por parte da sua elite, em particular do campo político-estratégico, e uma reorganização daqueles que eram líderes e de confiança de Putin. Isso contribui para uma recomposição de como a guerra se processa em 2024.

[Filipe] A linha Surovikin, me parece, é como um leigo, uma trincheira tradicional. Ela se instala ali, euu não sei qual é a dimensão disso, mas imagino que tenha cerca de 1000 km.

[Augusto] Exatamente. E esse é um problema se você pensar que 1000 km dentro do Brasil é muito chão; 1000 km no padrão europeu é chão para caramba. Então essa linha Surovikin vai mais ou menos da região do Donbass, ao norte, até a chamada ponte terrestre da Crimeia. Ela faz quase um “L” numa perspectiva de criar um sistema de cadeias defensivas. Não é apenas uma trincheira; ela tem diversos sistemas de trincheiras com níveis de profundidade distintos, somados a campos minados, killzones com áreas nominadas para que a infantaria, dentro de veículos de transporte de pessoal e combate, passe por essas zonas, somados também a peças de artilharia móveis e de tubo que estão na retaguarda desse sistema de trincheiras, somados também a drones e helicópteros, especialmente o [Ka-52] “Alligator”. Isso causou muitos danos às tentativas de ruptura dessas linhas por parte da Ucrânia.

Na contraofensiva ucraniana, até onde li, conseguiram romper até a segunda linha ao sul, mas não conseguiram explorar esse êxitoe perderam parte do território reconquistado até então. É um sistema amplo, de múltiplas camadas, que cria uma impossibilidade de mobilidade para os seus antagonistas.

Para quem está nos escutando entender como isso é importante, [Valerii] Zaluzhny, que era o comandante em chefe das Forças Armadas ucranianas até meados do ano passado, escreveu um artigo na The Economist. Esse texto é importantíssimo porque é uma das primeiras avaliações profundas sobre a guerra, em que ele chama a atenção para que, no momento da guerra, ali em dezembro, havia um contexto de impasse, onde ele tentava discutir como impedir que a guerra se estruturasse numa condição de impasse e voltasse para uma dinâmica de mobilidade. Ele traz um conjunto de sugestões sobre o que a Ucrânia deveria fazer para romper isso. Claro, tentando fazer uma avaliação do que a Ucrânia estava colocando e meio que com uma lista de pedidos de ajuda para o Ocidente. É uma configuração muito complexa que não se via desde o contexto, por exemplo, da Batalha de Kursk na Segunda Guerra Mundial. Isso se viu agora na Ucrânia, em pleno século XXI.

[Filipe] Outra coisa que eu ia te perguntar, baseado nisso, tem a ver com a reação ucraniana. Porque, se eu entendi bem o que você falou, a Ucrânia, nas suas reações e contraofensivas, não consegue atingir o seu objetivo estratégico. Ou seja, não tem ganhos substanciais do ponto de vista do avanço das suas tropas em direção ao atual terreno ocupado pelos russos. Mas tem ganhos pontuais, não é? Você até menciona que há uma ampliação do teatro de operações por meio de engenhocas criadas de maneira bastante inteligente pelo exército ucraniano. Mas, então, se eu entendi bem, o que a Ucrânia ganha com isso? Além de passar a imagem de que ainda está viva, que ainda tem alguma capacidade, parece que ela tenta ganhar tempo, não é? Porque, se eu entendi bem, essa barreira de chumbo e aço que os russos colocaram, desde toda a extensão do Donbass até a Crimeia, basicamente selou o destino dessa região, a não ser que algo muito diferente aconteça. Então, a Ucrânia, enfim, o que ela consegue é só ganhar tempo? Faz sentido isso?

[Augusto] Faz sentido sim.im. Para quem está escutando a gente, é importante comparar dois momentos. A Ucrânia tinha conseguido fazer uma contraofensiva de muito sucesso no primeiro ano da guerra, que foi na região onde agora a coisa está quente, aquela região ali de Kharkiv, no nordeste da Ucrânia. Então, se a gente lembra, no comecinho da guerra, ela consegue dois êxitos interessantes. O primeiro foi conseguir fazer a defesa de Kiev, ou seja, ela consegue paralisar o avanço das forças russas. Se a gente parar para considerar, o VDV, as forças aerotransportadas russas, conseguiram chegar ali no aeroporto [de Hostomel], pertinho de Kiev, permitindo ter uma cabeça de ponte importante ali com desembarque, etc. E isso os ucranianos conseguiram segurar. Mas o primeiro grande êxito ucraniano vai ser essa contraofensiva em Kharkiv, onde eles vão conseguir ter o efeito surpresa e retomar muito território, liberando a segunda maior cidade ucraniana.

Só que você tem um detalhe importante, na verdade, dois detalhes. O primeiro é que a própria liderança militar russa, na época, já tinha designado que a primeira fase da guerra tinha acabado e tinha colocado como elemento de centralidade o Donbass. Então, meio que o objetivo operacional russo tinha mudado naquele contexto. A linha defensiva naquela região de Kharkiv era uma linha muito fina, que a Ucrânia conseguiu romper, fazer a exploração do eixo e consolidar os ganhos de terreno.

O segundo aspecto é que ela conseguiu o efeito surpresa, que foi algo muito difícil de ter nessa guerra, por termos aí o fenômeno do chamado campo de batalha transparente. Ou seja, é virtualmente impossível fazer qualquer coisa na Ucrânia sem ser visto por drones, sistemas satelitais ou elementos de produção de inteligência com outras fontes, como de sinais, etc.

Quando pegamos esse segundo momento na contraofensiva ucraniana de 2023, esperava-se que a Ucrânia teria um êxito muito grande. Porque os caras conseguiram montar brigadas modelo OTAN, com gente treinada em países da OTAN, com equipamento moderno. Claro, com algumas brigadas e equipamentos do modelo soviético ainda, mas altamente motivadas, etc. E, quando a coisa acontece, como você bem colocou, eles chocaram contra uma parede de fogo e aço, e a coisa não caminhou. E, assim, existia um conjunto de expectativas muito positivas, em particular na opinião pública internacional, de que ela poderia ter êxito. Mas especialistas chamavam a atenção para a ausência do componente aéreo, que é um elemento importantíssimo na doutrina OTAN, que a Ucrânia não tinha, e os riscos que ela corria ao fazer ofensiva do jeito que fez.Não é à toa, Filipe, que começa essa contraofensiva lá em junho, mais ou menos, ela começa com os Probing Attacks, etc., e a ofensiva ganha fôlego e vai até meados de outubro, novembro, etc.

O desgaste foi muito grande, e isso vai levar a Ucrânia a um contexto de tentar se defender e recompor meios e pessoal para se segurar em[20]24 e, talvez, voltar a uma contraofensiva de larga escala em [20]25. Aí, a gente tem uma janela de oportunidades absurda para a Rússia, que reorganizou a casa. Por exemplo, eles absorveram o impacto da contraofensiva ucraniana e apresentaram uma curva de aprendizado muito interessante. Muito criticada a doutrina russa como antiquada, mas eles mostraram uma capacidade rápida de aprendizado, não apenas no nível tático, mas também tecnológico.

Cada inovação interessante que a Ucrânia trazia, os russos incorporaram em massa. Um exemplo é o uso dos drones FPV (First Person View). A Ucrânia começou a usá-los de forma interessante e a Rússia está usando em uma proporção gigantesca. A Ucrânia começou a utilizar loitering munition, munição vagante, a Rússia está usando muito o Lancet, por exemplo. Isso mostra a capacidade de inovação e produção em massa da Rússia.

Uma coisa que ajuda a entender essa concepção de uma guerra longa, que o establishment político russo aceita como dado, é a mudança do ministro da Defesa da Rússia. Colocaram um economista, que tem uma trajetória no aparato de estado no campo da economia e um diálogo frutífero com a indústria de defesa russa. Ele vai para o MD [Ministério da Defesa] com a finalidade de arrumar a casa, particularmente na interlocução entre as demandas operacionais, de equipamento e logística da Defesa com a indústria. Nesse sentido, a sinalização que a Rússia dá é que está se preparando para uma guerra longa, sinalizando que estão segurando o impacto brutal na economia russa. Oficialmente, a Rússia não está em guerra, mas tem uma economia militarizada. Isso é extremamente grave quando olhamos pela perspectiva da Ucrânia.

Em relação à sua pergunta, a Ucrânia, ao manter-se como na ação e buscar êxitos, tenta, se não produzir um efeito estratégico voltado às suas condições de combate, obter efeitos no campo psicossocial, político e internacional. Muito daquilo que ela depende para lutar, como meios, sistemas de armas e plataformas mais avançadas, vem de fora. Por um lado, isso é ruim porque retira da Ucrânia a capacidade de produção em massa e a rápida disponibilidade desses meios. Mas é bom porque cria um centro de gravidade que a Rússia não pode atacar, pois está fora da Ucrânia. Há notícias, ainda não confirmadas, de que algumas indústrias ou fábricas que produzem equipamento bélico para a Ucrânia na Alemanha pegaram fogo misteriosamente. Em um contexto de guerra, ações encobertas [black ops] e sabotagem em países aliados podem ocorrer para degradar o esforço de guerra aliado em relação à Ucrânia.

O esforço da Ucrânia hoje é muito no campo político, para convencer o Ocidente Coletivo de que ela ainda tem chance, apesar de estar numa condição política degradada: 1) pela War Fatigue do ano passado, 2) o fracasso da contraofensiva, 3) a guerra em Gaza que tirou muita da atenção e do holofote que a guerra da Ucrânia tinha. O que de certa forma é ruim para as condições de apoio externo à Ucrânia. Isso tudo sem mencionar as eleições nos Estados Unidos e a demora de quase seis meses para assinar um pacote de ajuda que não será suficiente para recompor as capacidades militares ucranianas no curto prazo. De fato, a palavra chave aqui é tempo. A Ucrânia precisa ganhar tempo, que é uma variável fundamental na guerra.

[Filipe] Augusto, deixa eu te perguntar, tentando colocar de uma maneira mais gráfica: o Donbass está claro, está sob controle do exército russo. A linha Surovikin organizou a presença russa naquela região. Luhansk também está sob controle. Pelo que entendi, o foco agora, o cenário mais quente, está mais ao norte, em Kharkiv, onde os russos avançaram. Pelo que vi na imprensa, eles conseguiram, sem muita resistência, ocupar boa parte da região. Não sei se têm intenção de entrar na cidade, mas é ali que está o foco da imprensa. A maior parte da atenção está concentrada ali. Mas, ao sul, na Crimeia, você tem alguns ataques via drones. Mas não há nenhuma possibilidade de algo acontecer ali a curto ou médio prazo. Transformando isso numa pergunta, qual a importância estratégica de Kharkiv para a estratégia russa? E daí, uma vez controlada essa região, para onde a Rússia vai? Tá bom, até ali, eu já ouvi alguns comentaristas falando que tem também a possibilidade de abrir uma frente mais ao norte, via Bielorrússia, para poder, talvez, estrangular ali do ponto de vista logístico. Enfim, como você organiza para o ouvinte a situação?

[Augusto] Bem, Filipe, existem alguns problemas aqui que nos ajudam a compreender o drama tanto para a Rússia quanto para a Ucrânia. Como mencionado na segunda fase da guerra na perspectiva russa, o Donbass era prioritário para eles. No entanto, até agora, toda a região do Donbass, Donetsk e Luhansk, não está sob controle total da Rússia; ainda há uma parte sob controle ucraniano. Isso levanta questões interessantes. Por exemplo, após a batalha de Barkmut, uma batalha crucial em andamento agora é Chasiv Yar, que é uma cidade relevante, pois fica em posição elevada e se a Rússia conseguir capturá-la completamente, como parece provável, terá sob o alcance de sua artilharia e visualização um conjunto de cidades e modais rodoviários importantes para um avanço para tentar controlar toda a região do Donbass.

Para entender a centralidade do Donbass, é crucial considerar cidades como o eixo Slaviansk e Kramatorsk, e ao norte Kupiansk, cidades importantíssimas para tentar quebrar o controle que a Ucrânia ainda exerce na sua chamada estratégia de “cidades-fortalezas”. Onde se têm linhas defensivas ucranianas que não foram feitas em [20]22, são linhas defensivas, várias da quais, já organizadas em [20]14, durante o contexto da guerra civil ucraniana, em que o Donbass era o centro de gravidade do conflito. A Rússia vê com interesse estratégico a conquista dessas cidades, o controle completo da região do Donbass, em particular daquilo que ainda está sob controle da Ucrânia..

Aí temos a questão sobre o Nordeste da Ucrânia ou uma potencial nova frente ao Norte. A Rússia tem interesse em controlar Kharkiv ou não? Ela tem condições de controlar Kharkiv? De chegar em Kharkiv? Essas são questões importantes, pois o que a Rússia pode estar fazendo podem ser na verdade duas coisas. A Rússia pode estar iniciando uma frente no Nordeste, tentando forçar a Ucrânia a estender ainda mais as suas linhas de defesa, fazendo a Ucrânia redistribuir meios e homens – de boas unidades que estão concentradas no Donbass levando-as ao Nordeste para tentar segurar o avanço russo. Em geral não se fortifica a fronteira, mas uma linha antes da fronteira para que se tenha tempo para absorver uma potencial incursão. A Ucrânia está tendo dificuldade em fazer esses movimentos, inclusive a Rússia está conseguindo avançar na cidade de Vovchansk, o que pode permitir com que ela se projete para outra cidade importante naquela região, Kupiansk Quando se olha para esse cenário, o que a Rússia pode estar tentando fazer é uma manobra diversionista, levando a Ucrânia estender as suas linhas, reorganizando seus meios e tropas, facilitando assim uma possível ruptura na frente do Donbass. Além disso, a Rússia pode estar considerando estender esse esforço abrindo outra frente através da Bielorrússia, embora isso exija um grande esforço logístico de concentração de meios, homens e de sustentação do esforço. Isso não pode ser feito sem chamar a atenção, com surpresa.

A ambiguidade das intenções russas torna a situação ainda mais complexa. É difícil determinar se a Rússia busca aproveitar a incursão ao Norte para circundar as cidades fortificadas por trás [retaguarda] ou se tem como alvo a tomada direta da segunda maior cidade ucraniana, algo que julgo – no momento – não ser o caso. No começo da guerra a estratégia russa até agora envolveu mais cercos do que conquistas diretas, mas sua ambiguidade coloca o Estado-Maior ucraniano em uma posição delicada, dada a escassez de recursos humanos. A evasão e fuga de potenciais soldados só exacerbam esse problema.

Mas para a Ucrânia esta não é uma guerra total, em que a sobrevivência do estado está em jogo? Então porque a Ucrânia não faz uma mobilização nacional completa, como na segunda guerra mundial feita pela URSS? Porque a Ucrânia enfrenta dificuldades para armar e alimentar uma mobilização total, ao contrário de sistemas como o israelense e o finlandês. É crucial considerar isso, como Israel reage rapidamente ao 07 de outubro [2023], mobilizando suas divisões e partindo para o contraofensiva? Claro, apesar da distância territorial pequena, eles tem um sistema de mobilização eficaz que contribuem para essa agilidade. A Finlândia tem um sistema semelhante. No entanto, a Ucrânia não possui recursos semelhantes, devido ao alto custo e complexidade envolvidos. Portanto, é fundamental compreender que a decisão de guerra é influenciada pela política. As ações políticas de líderes como Zelenski e Biden são tão ou mais significativas que os eventos no campo de batalha, pois a guerra é, essencialmente, uma forma de fazer política através da gramática da violência.

[Filipe] Eu ia te perguntar justamente sobre isso. Você tocou agora no ponto do pessoal, do envelhecimento das tropas ucranianas, que é um sintoma de um certo esgarçamento da capacidade de manutenção de tropas. Há relatos de fugas de possíveis combatentes, sem mencionar os refugiados, os civis mortos e até os militares mortos. Enfim, é uma crise sem precedentes, sem sombra de dúvida a maior crise desde a Segunda Guerra Mundial no continente europeu.

Você também mencionou de passagem o impacto que isso tem na questão dos alimentos, na produção de grãos, na crise energética e uma reação importante que foi a ampliação da OTAN durante a guerra. Acho que isso também é um capítulo importante dessa história. Mas deixe-me focar na capacidade humana. Como você tem visto isso? Há algum tipo de número de baixas, número de refugiados, deslocamentos? Você tem algum dado nesse sentido ou não?

[Augusto] Os números durante o conflito são controversos, mas estima-se que no começo da guerra cerca de um quarto da população ucraniana tenha fugido do país. Os avanços rápidos das forças russas provocaram um êxodo populacional significativo, deixando cidades desertas na região de Donbass. Em Kharkiv agora, por exemplo, as imagens que temos são de forças policiais evacuando a população. É um conflito de alta intensidade, a artilharia, fogo indireto, é usada em grande volume e ele não discrimina alvos civis ou militares. Esse é um dado relevante que vai afetar ao menos duas coisas. Primeiro, isso afeta diretamente a capacidade de combate com uma perda de potenciais combatentes, e segundo, a perda da capacidade produtiva do país. No que concerne às baixas, é extremamente complicada de determinar em meio ao conflito em curso, mas é importante reconhecer que as baixas são extremamente elevadas para ambos os lados. A Rússia, por exemplo, opera com um sistema misto, combinando serviço militar obrigatório e pessoal contratado. Muitas pessoas que inicialmente não estavam envolvidas estão agora sendo engajadas, atraídas por contratos com pagamentos bastante elevados. Este fator financeiro está tornando a participação mais atrativa para muitos, além da atuação do grupo Wagner e outras empresas que operam na região. O grupo Wagner, inclusive, faz recrutamento em presídios, o que remete à ideia de avanços em massa por “batalhões penais”, similar ao modelo usado na Segunda Guerra Mundial. Este tipo de ação tática resulta em elevada letalidade para o lado de quem ataca, inclusive.

Contudo, temos um problema: não possuímos dados precisos. Enquanto a Ucrânia e institutos de pesquisa ocidentais fornecem números sobre as baixas russas, a Ucrânia não divulga suas próprias perdas. Lembro de uma notícia sobre uma companhia telefônica ucraniana que desativou cerca de 300.000 linhas, o que poderia indicar que essas pessoas não estão mais lá, possivelmente mortas. Mas, no geral, há duas coisas certas: há um elevado número de mortos e feridos dos dois lados e, possivelmente, proporcionalmente, a Rússia tem mais baixas que a Ucrânia. No entanto, a capacidade da Rússia de absorver suas baixas é muito maior que a da Ucrânia, pois a Rússia possui uma população cerca de três vezes maior.

A Rússia está inscrevendo soldados das zonas mais afastadas do território russo para o combate. Quando você observa o fenótipo desses soldados, percebe que muitos deles possuem características fenotípicas típicas de russos asiáticos, entre outros. Estes soldados vêm do interior do país, enquanto as populações das grandes cidades como Moscou e São Petersburgo não estão sendo tão afetadas. Essa estratégia reduz a pressão política sobre o Kremlin, já que menos caixões voltam para essas regiões mais influentes.

Outro aspecto importante é a situação da Ucrânia. O país também tentou preservar sua população mais jovem, vital para o futuro da nação. No entanto, no momento, a Ucrânia não está conseguindo manter essa preservação. Isso afeta a capacidade combatente da Ucrânia, especialmente no que diz respeito ao recompletamento de unidades e batalhões, etc. Quando soldados morrem ou ficam feridos, é necessário substituí-los, o que gera problemas na rotação das tropas.

Imagine um soldado em uma trincheira durante o inverno ucraniano, sofrendo bombardeios constantes. Quanto tempo ele consegue permanecer em uma situação dessas? Ele precisa ser retirado para descansar, ser tratado e treinado novamente antes de voltar ao combate. Isso é um problema sério para a rotação das tropas. Com menos pessoal disponível, a rotação fica comprometida, o que reduz a eficácia militar e a capacidade de combate, mesmo quando a soberania e a integridade territorial do país estão em jogo.Todos esses fatores são mediados pelo tempo e pela dinâmica política, o que influencia a perspectiva de longo prazo do conflito.

[Intervenção musical]

[Augusto] Uma pergunta relevante é a desmistificação da ideia de que armas ganham guerras. Desde o início da guerra na Ucrânia, temos ouvido afirmações de que armas anticarro, aviões de combate F-16, mísseis terra-terra, entre outros, ganhariam a guerra. No entanto, isso tem se mostrado extremamente falacioso. O que temos visto é que, por mais importantes que sejam, os sistemas de armas são contributos importantes para a gramática da guerra e para a produção de diferentes estratégias. Mas sem uma estratégia, uma teoria da vitória ou uma boa conexão entre as vertentes que fazem a guerra – como o povo, a dimensão política e as forças militares – dificilmente se alcançam os objetivos políticos desejados.

Filipe, existe um problema que precisamos colocar na mesa: hoje, após mais de dois anos de guerra, qual é a teoria da vitória da Ucrânia? O que significa vencer a Rússia? Para a Rússia, o que é vencer? É tomar o Donbass? Avançar até os oblasts a leste do rio Dnipro, por exemplo? Não sabemos, até porque a própria dinâmica da guerra, como fenômeno político, permite que os objetivos sejam alterados ao longo da ação bélica. Isso tudo mostra a complexidade do fenômeno que abala as relações internacionais e nos afeta aqui no Brasil.

Nós, que estudamos Relações Internacionais e Ciência Política durante todo esse tempo, devemos refletir sobre como isso nos preparou para entender um cenário como este. Fomos educados para compreender a guerra, no máximo, como a ação contra terroristas ou contra insurgências, e agora enfrentamos uma guerra de alta intensidade na Europa, durante mais de dois anos, com a ameaça nuclear e a segunda ou terceira maior potência militar do mundo envolvida em um conflito posicional no contexto europeu. O país que está no campo assimétrico tem uma aliança ocidental sustentando-o para que não caia [a Ucrânia]. É um cenário extremamente perturbador no campo das relações internacionais, mas por outro lado, extremamente estimulante para nós, enquanto Brasil e enquanto Sul Global, pensarmos nas lições que podemos tirar disso para nossa defesa, para nossa concepção estratégica e para como o Brasil vê a possibilidade da guerra no futuro e reagir a ela, não apenas no campo diplomático, mas também em relação às suas forças.

Eu acho que a guerra na Ucrânia, enquanto um evento e um drama humanitário, e uma conjuntura crítica na política, é também um chamado de atenção para países como o Brasil acordarem para a ideia de que o fenômeno da guerra é algo que bate à porta de vez em quando na história, e é bom que estejamos preparados para isso. Nesse sentido, a guerra na Ucrânia é muito mais do que um fenômeno apenas europeu; é um fenômeno de caráter e repercussão global do qual deveríamos, ou devemos, aprender, para além, obviamente, das ações militares.

[Filipe] Então, fica aqui o compromisso no ar de que você vai voltar para discutirmos, aí sim, a doutrina de defesa no Brasil. A pergunta que eu queria fazer para encerrar: todo mundo sabe que, além de ser um estudioso das relações internacionais e das guerras convencionais, você também é guitarrista. O que você achou do Blinken tocando guitarra em Kiev?

[Augusto] Eu diria que ele toca melhor do que ele conduz a política externa dos Estados Unidos. Acho que ele errou de carreira; ele tem mais feeling para a música, apesar do Neil Young não concordar com muitas das ações que ele está tomando como secretário de Estado. Mas isso mostra a relevância de alguma veia artística nesses atores internacionais. Por exemplo, nosso austero Ministro da Fazenda é um bom guitarrista, o Haddad, então, de certa forma, isso mostra que a música e a guitarra, as seis cordas humanizam vários desses atores, trazendo algo do tipo “é o que se salva naquele ser!”.

[Filipe] Valeu, Augusto, muito bom falar com você, cara.

[Intervenção musical]

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